Estava aguardando meu filho sair da terapia; as salas de espera de psicólogos costumam ser apertadas porque não é comum juntar várias pessoas. De repente, entra outra mãe com o filho; ela nem se acomodou direito no sofá e começou a fazer chamadas de vídeo com o som alto, tão alto que a própria criança reclamou e pôs as mãos nos ouvidos. Na hora, veio o incômodo e bateu aquela indignação, seguidos de perguntas sobre que geração estamos formando e em que sociedade queremos viver. Nos restaurantes, por exemplo, me chama a atenção as mesas em que as crianças não interagem: elas ficam de olho nas telas até a comida ser colocada à mesa. Chegamos a um ponto em que uma voz do outro lado costuma receber mais atenção do que um amigo sentado à nossa frente. Isso sem contar a deselegância com relação ao uso da tecnologia.
Passei um ano trabalhando no texto, pondo e tirando palavras para que as rimas alcançassem a sonoridade brincante que eu desejava. Descrevo situações em que alguém exagera no uso do celular, com pitadas de humor e faço do título do livro “Ah, se Graham Bell falasse!” um refrão, que se repete cena após cena até Graham Bell, a quem se atribui a invenção do telefone, se manifestar sobre a situação atual, em que o celular se tornou quase que uma extensão do nosso corpo. No livro, o smartphone não é nenhum vilão. A questão que se discute é a moderação no uso dessa tecnologia multifuncional fantástica, mas que pode causar problemas à saúde física e mental, além de uma dependência nociva.
À época da minha dissertação para o mestrado de Educação, há cerca de 15 anos, me debruçava sobre estudos a respeito do potencial das tecnologias da informação e da comunicação para o processo de ensino e aprendizado. Hoje, a gente reflete sobre a necessidade de se estabelecerem limites, de modo que as crianças e os adolescentes se beneficiem das experiências enriquecedoras e também dos momentos de lazer que os smartphones são capazes de proporcionar, mas de forma equilibrada, sem achar que a vida está dentro da tela.
Uma certeza que temos é que a proibição não é o caminho — é desgastante e infrutífero pedir o tempo todo que a criança ou o adolescente larguem o celular. Isso, como costuma dizer a garotada, só causa “treta”, discordâncias na família. É preciso conversar a respeito, estabelecer limites razoáveis que façam sentido para a criança ou o adolescente e o adulto responsável. Gosto muito dos combinados; como o próprio nome diz, devem ser acordados por todos. Se o combinado for não usar o celular durante as refeições em família ou colocar o celular para dormir uma hora antes de ir para cama, o importante é que a regra instituída pelo grupo seja cumprida, principalmente pelos adultos. Por outro lado, vale ressaltar que um hábito não é mudado de uma hora para outra. Com certeza, durante essa fase de adaptação vão ter muitas derrapadas. Isso faz parte do processo, e é preciso relevar. Outro dia mesmo, eu estava conversando com meu marido a respeito de um assunto sério. Já era noite, e ele tirou o celular do bolso para ver a mensagem que chegou. No ato, eu disse: “Ah, se Graham Bell falasse!”. Ele começou a rir e pediu desculpas.
Faço literatura infantil; não escrevi um livro técnico ou um manual. Entendo esse livro como um ponto de partida para um debate, uma reflexão. Além disso, é legal que as crianças pensem sobre essas questões desde cedo, para que não caiam nos extremos, de forma que elas mesmas, inteligentes que são, imponham limites à tecnologia. Em todos os casos, espero que a garotada se divirta com as situações, lembrem-se de experiências parecidas, ressignifiquem as vivências e que elas e os adultos encontrem, no bordão “Ah, se Graham Bell falasse!”, uma estratégia divertida quando alguém se exceder.
E, para terminar, uma curiosidade que está no livro: os historiadores contam que Graham Bell se orgulhava de sua invenção e do que ela possibilitava, mas ele não quis instalar um aparelho em sua sala, para se concentrar em seus estudos.
Viviane Viana é escritora e jornalista. Nasceu no Rio, mas morou em muitas outras cidades. É mestre em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e especialista em Arte & Educação pela Universidade de Brasília (UnB). Foi coordenadora-geral e diretora da TV Escola e, como jornalista, trabalhou em O Dia, Jornal do Brasil, Folha de São Paulo e Tribuna do Norte, além da agência espanhola de notícias EFE. Ela acaba de lançar seu novo livro, “Ah, se Graham Bell falasse!” (Franco Editora).