Na vida, sem jamais saber o que é tédio. O que não falta é motivo concreto para a endocrinologista Isabela Bussade sair da cama todos os dias: tem meio-Rio e meia-São Paulo entre seus clientes, e ainda com tempo para compartilhar informações sobre alimentação e bem-estar para os seus quase 140 mil seguidores no Instagram. Um dos pilares da sua All Clinic é o trabalho interdisciplinar, que faz parte da sua rotina desde 2006, quando abriu a primeira clínica no Rio. “Desde então, me sinto muito feliz em poder cuidar dos nossos pacientes de forma 360, pensando junto com eles, não apenas no universo diagnóstico e terapêutico de patologias, mas também na prevenção da sua saúde e qualidade de vida”, diz. Nas redes, ela também mostra um pouco dos seus figurinos — amor antigo à moda, que vem da avó paterna, Nelide Gomes Crespo, quando morava em Campos dos Goytacazes, bem antes da irmã, a influenciadora Silvia Braz (tem ainda outra Bussade, a Maria, médica dermatologista).
Mas é a Medicina sua paixão contínua, em que o foco é sempre o paciente, com um olhar atento, talvez uma das razões de ser um nome destacado em sua área, o que se percebe mesmo em eventos sociais, quando muitos do clube-sem-noção a abordam com perguntas que cairiam muito bem no consultório. Se vivesse com receituário no bolso, não teria descanso – rsrsrsrs.
Ela é doutora em Ciências Médicas pela UERJ, tem mestrado em endocrinologia, além de ser professora de pós-graduação na PUC. E o que a faz feliz? “Amo acordar cedo, vestir uma roupa bonita, levar meus filhos à escola e seguir pra clínica. Esse ciclo de cuidados (comigo, minha família e meus pacientes) me enche de alegria e motivação”.
Na entrevista à coluna, fala sobre tudo um pouco, como mitos e verdades sobre emagrecimento, compulsão alimentar, menopausa e metabolismo.
O que mais chama atenção no seu consultório hoje?
Sem dúvida, o que mais me chama atenção é a sobrecarga física e mental a que as pessoas estão sendo submetidas. Não existe mais idade: em todas as faixas etárias, a exigência por performance e a padronização da estética têm trazido angústia e sofrimento para muitos
Seu método de atendimento sempre foi olhar corpo e mente?
Cuidar do ser humano, e não apenas da doença que ele apresenta, é a essência da medicina em que acredito e exerço. Tive a sorte de iniciar minha carreira médica em 1998, ao lado de Abdon Hissa, que me ensinou a “Medicina da Pessoa”, que é a base desse raciocínio. Depois da minha residência em Clínica Médica e Endocrinologia, fui pesquisadora no IEDE/IPUB (Instituto de Psiquiatria da UFRJ) e trabalhava em linhas de pesquisa no Serviço de Psiconeuroendocrinologia na interface entre o comportamento humano e as doenças decorrentes desse comportamento. Na sequência, fiz meu doutorado, estudando a relação entre cortisol (hormônio do estresse) e doenças cardiológicas. Eu tinha dificuldade em explicar o que estudava para não especialistas; a palavra cortisol, que hoje virou moda, nem era conhecida.
Não existe a possibilidade de melhora na saúde sem respeitar a fisiologia… Se não existe segredo, por que as pessoas continuam errando?
Entre a consciência e o plano de ação, pode existir um abismo. Mas antes de falarmos nessa dificuldade, vejo um problema inicial, que é a falta de informação consistente, baseada em evidências, que considere riscos probabilísticos de acordo com o estilo de vida. Eu não acredito em regras impostas — acredito em educação para mudança de comportamento, mas, na história da Medicina moderna, isso ainda é embrionário. Na outra ponta, vemos a atividade cerebral humana ativando circuitos hedônicos cerebrais através da comida, álcool, cigarro…, de forma crônica, como mecanismo de adaptação ao estresse.
O que você ensinaria para uma vida equilibrada além do óbvio?
Não olhe para o lado e respeite seus limites. Os seres humanos são genuinamente diferentes em características antropométricas, resistência ao estresse, energia, necessidade de sono, padrão de fome, atividade cognitiva e até na capacidade de obter felicidade da vida. Comparar-se e buscar atender a demandas fora da sua fisiologia adoecem física e mentalmente as pessoas.
Atualmente temos muitas informações de médicos em geral nas redes…
Eu diria que menos de 20% dos médicos nas redes sociais têm formação sólida, com residência médica, mestrado, doutorado, título de especialista. Infelizmente, um percentual grande tem formação acadêmica nula e consequentemente não sabem ler e interpretar corretamente estudos clínicos, logo falam muita bobagem e confundem a população. Somado a isso, existem também os que acreditam em ideias próprias e discursam com base em pensamento mágico; pra esses, nem o estudo é a solução. Buscar os sites das sociedades médicas no Instagram e seguir profissionais que tenham um bom currículo ajudam a obter informações confiáveis.
Recentemente, virou assunto a compulsão alimentar da agora ex-BBB Yasmin Brunet. Como começar a tratar ou perceber isso em nós mesmos?
O TCA (Transtorno da Compulsão Alimentar) é uma doença clínica definida no DSM-V: não acontece por falta de “força de vontade” ou algo semelhante. É um transtorno alimentar bem caracterizado, que tem, na sua base, a disfunção serotononérgica e se caracteriza por episódios em que o paciente habitualmente come sem estar fisicamente com fome, mais rápido que o habitual, com sensação de perda de controle. Muitas vezes, só termina o episódio quando se sente fisicamente mal ou quando vê o término completo da porção do alimento. Esses episódios precisam obedecer a uma frequência de episódios/semana e se prolongar ao longo do tempo, para o diagnóstico adequado.
Uma das dificuldades das mulheres em emagrecer é associada ao metabolismo mais lento. Quais as verdades e mitos no emagrecimento?
Quanto mais músculo, melhor será o metabolismo da mulher. Respeitar o horário das refeições deveria ser sagrado, pois pular refeições cria platô metabólico, e cafeína em dose adequada é segura e eficaz para otimizar o metabolismo. Mitos: dietas que prometem perder gordura localizada, fitoterápicos e ervas que substituem medicamentos aprovados e testados em grandes estudos clínicos, panaceias ortomoleculares para controle cerebral da fome.
O que mais procuram na All Clinic e qual o principal perfil dos pacientes? Ter praticamente tudo sobre saúde física e mental num só lugar é tendência?
Somos uma clínica interdisciplinar construída a partir da endocrinologia. Cuidamos de todas as idades, mas diria que 70% dos pacientes são homens e mulheres entre 40 e 70 anos que buscam mudanças no estilo de vida, tratamento de doenças metabólicas como obesidade, dislipidemia, diabetes e terapia hormonal baseada no que as sociedades científicas mundiais preconizam para a menopausa e hipogonadismo masculino. Na All Clinic, consegui reunir profissionais éticos que conciliam Ciência e olhar empático ao que existe de mais atual em tecnologia diagnóstica e intervenção segura para qualidade de vida.
E com a idade vem a menopausa…
Ainda temos um longo caminho a percorrer na menopausa. No Brasil, somente 30% das mulheres reconhecem os sintomas corretamente; destas, apenas 15% têm acesso ao tratamento. Isso, em parte, se deve a um erro histórico no início dos anos 2000, ligado à divulgação do estudo WHI, no qual, após uma publicação com inúmeros vieses, não apenas a comunidade científica como também toda a população americana, e consequentemente a brasileira, passou a ter medo da terapia hormonal. Essa é a minha área de concentração na endocrinologia, resultado de todo meu percurso acadêmico no mestrado, doutorado e prática clínica. Estudar, diagnosticar e tratar os aspectos físicos e mentais que ocorrem nesta fase da vida feminina são meu grande desafio atual.
O que você antevê para a mulher nesta fase e a partir dela?
É um momento em que a mulher precisa se priorizar. Se antes ela não fazia exercício, agora precisa, senão perderá músculos; se não fazia restrição alimentar, agora precisa, senão ganhará peso; se não cuidava da higiene do sono, também precisará voltar o olhar para este tema. Em resumo, ao suprimir a produção de estrogênios, a natureza cobra de você um olhar mais atento para si. E é uma fase linda de mudanças, descobertas e crescimento, quando bem trabalhada…
Atuando em São Paulo e no Rio, que diferença você percebe entre as mulheres das duas cidades?
Observo uma diferença em relação a rotina e estilo de vida, que me chama atenção: em São Paulo, longas distâncias, rodízio de carros, ritmo e consumo próprio das megalópoles são um risco adicional para a saúde, que observo nas pessoas. Elas, em média, têm um sono mais encurtado, menos contato com a natureza, mais contato com poluição, maior exposição social ao álcool e alimentos ultraprocessados. O Rio, por sua vez, conserva características de uma cidade comparativamente menor. E a natureza que temos aqui, quando bem utilizada, ajuda na saúde física, mental e social de todos.