Guerras são divididas em inúmeros combates, em diversos campos de batalha.
No meu caso, a guerra teve início na Baía de Ilha Grande, em seus manguezais, que, sob a promiscuidade do público e do privado, extensas áreas de manguezais foram completamente, ou quase, suprimidas pela voracidade da especulação imobiliária dos anos 80 do século passado.
Ser ecossistema protegido integralmente por inúmeras leis não queria dizer absolutamente nada para aqueles delinquentes ambientais, dentro e fora do poder público, que legalizavam o ilegalizável naqueles anos.
Por conta das batalhas entre 1989 e 1991, consegui, com mais dois colegas da prefeitura local, além das diversas ameaças de morte, que milhares de metros quadrados do ecossistema fossem deixados em paz, bem como tornada pública em cadeia nacional a importância da proteção dos manguezais e a pouca-vergonha que envolvia sua degradação consentida por quem deveria protegê-los.
É claro que não durei muito no cargo, aliás, como também não duraria em outros futuros cargos governamentais, por não aceitar o jogo daquele tipo de posição. Sem dúvida, minha estratégia de proteção e recuperação de ecossistemas costeiros tinha de seguir uma trilha perigosa e muitas vezes solitária.
Das batalhas de Angra dos Reis, acabei caindo na batalha pela lagoa Rodrigo de Freitas, onde, no processo de naturalizar as margens daquela moribunda famosa lagoa carioca com espécies vegetais de manguezal, deparei com novos inimigos. Após décadas de embates violentos com as forças que cobravam e recebiam por serviços porcamente executados, aqui e acolá, consegui, com o apoio da imprensa, sociedade e do ministério público estadual, que a empresa responsável, de fato, entregasse seu produto. No entanto, apenas com o advento do novo marco do saneamento e da nova empresa saneadora, a lagoa, finalmente, tem, sistematicamente, apresentado sua redenção ambiental, evidenciada por meio de uma explosiva biodiversidade.
Suas margens com espécies vegetais nativas, reintroduzidas no processo de naturalização, trazem espécies animais por décadas ausentes daquele ecossistema, incrementando o ecoturismo e as atividades econômicas periféricas. Todos saem ganhando quando, num passado recente, apenas um pequeno grupo delinquente se beneficiava da degradação de suas águas.
Não satisfeito com as batalhas pela lagoa, abri outra frente no sistema lagunar de Jacarepaguá, uma das maiores joias tanto do ponto de vista econômico como ambiental da cidade do Rio de Janeiro, transformada mais uma vez por privilegiados delinquentes ambientais, acima do bem e do mal, na maior latrina lagunar dessa mesma cidade. Apesar dos famosos planos de ordenamento urbano, mais uma vez, o ambiente pagava o preço pelo crescimento urbano, a qualquer preço, na Baixada de Jacarepaguá. Desde 1992, após a expulsão de Angra dos Reis, centenas de denúncias e matérias, junto da imprensa nacional e da internacional, pouco ou nada produziram em termos de recuperação daquele patrimônio da cidade. Não adiantaram eventos megalomaníacos tampouco seus compromissos internacionais para que os legados ambientais acontecessem em sua plenitude. Simplesmente, não havia vontade de fazer, e, quando houve, “forças ocultas” mais uma vez sepultaram as promessas efetuadas em meio a variados escândalos.
Mas como não há mal que dure para sempre, mais uma vez, por meio do novo marco do saneamento, quando menos se esperava, surgiu a real possibilidade de recuperação após 32 anos de infindáveis batalhas com a chegada de reforços. Nos últimos dois anos, quase duas centenas de toneladas de resíduos foram removidas das margens em processo de recuperação e em estágio adiantado de gestão, no corredor ecológico entre os maciços da Tijuca e Pedra Branca, ampliando e recuperando as áreas de manguezais em mais de 100.000 metros quadrados.
Não é milagre na lagoa nem no sistema lagunar — é trabalho e vontade!
No entanto, ainda insatisfeito, fruto do projeto OLHOVERDE, no qual, por meio de sobrevoos periódicos sobre o litoral da Região Metropolitana, desde 1997, tenho uma visão clara de causas e consequências da histórica falta de políticas permanentes no que diz respeito à habitação, em que, como sempre, é o ambiente e a qualidade da sociedade que pagam por essa ausência, em 1997 avancei, a pedido, numa das maiores batalhas: a recuperação dos manguezais do aterro metropolitano de Gramacho.
Nos anos 1970, sabe-se lá o motivo, apesar de já considerado como uma área de preservação permanente, o manguezal da região de Gramacho foi selecionado para se tornar, em determinadas fases de sua nefasta existência, o maior lixão da América Latina. Onde havia um extenso manguezal, foi criada uma montanha de lixo, de onde centenas de pessoas tiravam seu sustento num ambiente mais do que insalubre, um verdadeiro purgatório: torrentes de chorume acabam destruindo o que havia sobrado dos manguezais originais!
Os anos se passaram e, por conta de uma séria de ações estruturantes e de seu fechamento, onde havia um paliteiro de manguezais mortos pelo chorume que escorria livremente para o ecossistema “protegido”, hoje temos 130 hectares de manguezais e demais comunidades vegetais nativas associadas recuperadas, além da explosão de biodiversidade (mais uma das inúmeras vezes).
Além disso, em outras batalhas, com apoio governamental e da iniciativa privada, de 2010 a 2012, foram criados mais 130.000 metros quadrados de manguezais apenas nas margens da Ilha do Fundão.
Próximo ao canal do Fundão, desde 2023, no entorno da península do Caju, numa das áreas mais castigadas pela degradação da Baía de Guanabara, avançamos na recuperação e ampliação das áreas de manguezal locais, onde, em apenas dois anos, foram removidas 120 toneladas de resíduos em apenas 20.000 metros quadrados. O objetivo dessa batalha é termos, em dois ou três anos, um bosque recuperado e ampliado, com o total de 82.000 metros quadrados. Destaco que essa batalha está sendo travada agora, contra um inimigo terrível: o lixo jogado nos rios.
Não tenho dúvida de que vivo uma guerra pessoal em defesa do litoral, de seus ecossistemas e da qualidade de vida, em especial aos seus valiosos manguezais, única linha de proteção das margens de baías, rios e lagoas.
Enfrentamos uma revolução silenciosa, com inúmeros inimigos e delinquentes ambientais sempre muito ativos, certos de seu direito “constitucional” de degradar em diferentes escalas e motivações, sem ser devidamente punidos. Mas essa é outra história…
Fato é que “minhas tropas” aumentam a cada dia: jacarés, capivaras, biguás, guiamuns, frangos-d´água, aratus, padawans, saracuras, maguaris e toda forma de vida inteligente, incluindo inúmeros humanos, entendem o dramático momento que a civilização da espécie dominante está passando, numa época em que se fala de um novo conflito mundial potencialmente nuclear como a coisa mais “normal” do mundo.
Não é normal imaginar interromper o processo evolutivo da vida de 3.5 bilhões de anos, por conta de interesses político-econômicos, sejam da espécie que forem.
Vivemos, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro — região castigada pela violência humana —, uma revolução silenciosa pela vida, pela prosperidade, pela paz, vinda do interior dos manguezais para os demais ecossistemas e seus habitantes.
Em que vai dar essa revolução, nos próximos anos saberemos. Essa é a minha missão.