Chegar aos oitenta e um anos. Não é para acreditar. Quem estiver duvidando tem toda razão. Comemorar esta idade com a vida que a gente leva, os esforços que a gente faz e as próprias dificuldades de uma vida de viagens e deslocamentos é quase um prêmio.
Eu não esperava chegar até aqui. Talvez a força motriz seja sempre ter projetos. E com quem dividi-los. Tem que haver um encaixe entre a vontade e a possibilidade.
O desafio é você encontrar um tema, uma busca, uma realidade que vai interessar a outras pessoas tendo você oitenta e um anos e algumas limitações naturais da idade.
A voz, a frase e o potencial de convencimento têm que estar presentes. O compartilhamento do saber. Compartilhar conteúdo e achar que isso vai realmente interessar a um número cada vez maior de pessoas. Você precisa pensar nisso o tempo todo, inclusive durante a sua redação mental.
O desafio maior está ligado à saúde. Nesta fase a voz passa a ser muito importante. Eu sempre cuidei da minha voz. Meu primeiro ganha-pão foi como dublador aqui no Brasil e depois como locutor na emissora britânica BBC. Eu evitava qualquer coisa que exigisse esforço vocal, como discussões filosóficas, políticas ou estéticas em altos brados. Se você ficar empolgado com o que está dizendo e a pessoa com quem você está trocando ou discutindo falar alto, você vai querer falar mais alto ainda e por aí vai. O falar alto deve ser evitado.
Cheguei aos oitenta e um anos não pensando muito no assunto. A única coisa que eu pensei é que eu cheguei com saúde, com uma mulher por quem sou apaixonado, com uma família linda e harmoniosa, amigos eternos, e projetos que eu possa concretizar sem ter que fazer grandes deslocamentos. Isso tira sua energia, exige bastante da sua condição física e submete você a diferentes regimes alimentares e de horários.
Estou lançando meu primeiro documentário. É sobre a Provence, no sul da França. Um dos lugares no mundo em que eu mais gosto de estar. Tentei passar o meu olhar, a minha percepção, aquela que sai do coração.
Também estou lançando ainda este mês um curso online de vinhos, compartilhando tudo que aprendi ao longo de 40 anos viajando, pesquisando, provando e trabalhando. O primeiro vai ser sobre vinhos franceses. Depois falaremos de vinhos italianos, portugueses e de outras regiões. É uma paixão e um universo de um saber sem fim.
Tenho um podcast semanal “Mundo com Renato “. Faço comentários sobre os temas que me chamam atenção, e que entram nas principais plataformas de áudio. Não posso deixar de mencionar o Instagram @renato_machadooficial. Assim debutei no mundo digital. Conquistei de forma orgânica o interesse e a companhia de mais de 50k novos amigos. Essa troca permanente me faz bem.
O objetivo agora é desenvolver projetos em que eu possa compartilhar as minhas paixões: vinho, música clássica, pets, literatura e tudo que me leve sempre a estudar. E mais: realizando o sonho antigo do home office, depois de tantos e muitos anos de viagens como correspondente e enviado especial. O que exige bastante disciplina e dedicação.
Agora, se me pedirem um conselho, o segredo que eu confio, é aprender línguas. Esse é o primeiro passo.
Pode ser uma língua, duas, três, mas é ter familiaridade com o falar, os falares das pessoas.
Não se sentir perdido em uma determinada região da Macedônia, ou da Itália, ou da Grécia.
Enfim, não se sentir vencido pela geografia. Eu acho que a geografia a gente tem que dominar. E a fala, o estudo da língua…Ela que me abriu as portas.
A língua é fundamental porque põe o cérebro para trabalhar. Como se fosse uma bombinha.
Às vezes custa a crer que você tenha atravessado um mar tão extenso. Mas não faltou o fôlego. Quem sabe ainda para um livro de memórias?
Foto: Monica Morel
Renato Machado, jornalista, apresentador marcante (por mais de 40 anos na TV Globo) e grande conhecedor de música clássica, vinhos e gastronomia, é autor do podcast “Mundo com Renato”. O carioca vai comemorar 81 anos (21/03), estreando o documentário “Uma Semana em Provence”, no Canal Sabor & Arte, onde apresenta a cultura da região. Entrevistando desde uma pastora local até o chef Laurent Deconinck, ele percorre adegas, vinhedos, inclusive uma escola de perfumaria.