Jânio Quadros dizia que “intimidade só traz duas coisas: aborrecimentos e filhos”. E o que mais as pessoas desejam: aquela intimidade gostosa de papear, se abrir, falar o que der na cabeça, explodir, brigar, amar, implicar e ter alguém que não é uma experiência narcísica, mas uma troca de gozo. “Intimidade indecente”, escrito em 2002 por Leilah Assumpção, dirigida por Guilherme Leme Garcia, é um momento raro, inclusive em sua contemporaneidade.
Apesar de ser aparentemente sobre sexo em pessoas com mais de 60 anos, a peça provoca pequenos prazeres, até grandiosas emoções. Com dois “monstros” do teatro em cena, Eliane Giardini e Marcos Caruso, em uma química avassaladora que, em blocos, nos permite, sem alteração de cenários ou figurinos, ir fazendo a sua jornada pela última parte da vida.
O grande mérito de Leilah Assumpção é compor, em diálogos rápidos, cortantes, um pingue-pongue de final de Olimpíadas. Os atores encerrados na quarta parede, pois o papel da plateia é se deleitar e se identificar. Teatro na veia com direito a catarse.
A direção de Guilherme Leite Garcia alcança duas regras básicas e clássicas da dramaturgia: a unidade de lugar e a verossimilhança. Em um texto em que as palavras são as mais cotidianas (gírias, palavrões, afetos, mordacidades), Guilherme ressalta cada vírgula, como um cinzel que pega um bloco de mármore do melhor e mais perfeito – o casal de artistas – e faz de suas atuações um momento ímpar nesse século XXI.
Ainda que muitos interpretem que o espetáculo tenha como foco o sexo na chamada terceira idade, esse é apenas a ponta do iceberg. O que se fala é do princípio do prazer em todas as suas latitudes: desde o prazer de pequenas delícias – como acontece na cena do doce de leite – até como superar a enorme mágoa do abandono dos descendentes.
Como se fala de prazer e gozo, Caruso e Eliane se transformam em seres vivos, lutadores incansáveis, puro caçadores de orgasmos de todos os tipos e dimensões, sem qualquer pudor e muito menos decência, decoro – mas sempre recíprocos porque a intimidade pode não trazer aborrecimentos e nos dar filhos que, apesar de tudo, são puro prazer.
Serviço:
Teatro Riachuelo (Rua do Passeio, 40, Centro)
Sábado, às 20h, e domingo, às 18h, últimas apresentações.