Pouco. Paixão nenhuma sobrevive por muito tempo. Se sobreviver, quem não sobrevive somos nós, os apaixonados.
Porque a paixão nos tira o ar, nos tira o chão — e o senso crítico, a noção de perigo e a visão (a expressão “amor cego” é equivocada: o amor nos arregala os olhos; quem cega é a paixão). E dá-lhe adrenalina, noradrenalina e dopamina bagunçando o coreto — enquanto a serotonina, desolada, dá um tempo na relação com o sistema límbico.
Quem deu o nome de “paixão” a essa fase inicial e turbulenta do amor sabia o que estava fazendo. “Passio”, em latim, tinha a ver com suportar, com sofrer. Daí a paixão de Cristo. Daí os versos “A paixão é uma flor roxa / que nasce no coração dos trouxa”.
Conheço bem essa flor, a flor da paixão, a passiflora. Foi assim que, no século XVIII, se batizou a flor do maracujá – que na Europa deixou de ser o alimento que se come na cuia para ser o fruto da paixão: da cor que simboliza a dor, e com os pregos, as chagas e a coroa de espinhos.
Mundo afora, virou passion fruit, fruit de la passion, frutto della passione, passiohedelmä, passievrucht.
Como na paixão que não dura o bastante para se tornar amor, minha varanda se encheu de pés de maracujá que floriram para nada. Tive as chagas, os pregos, a coroa – aos montes. Mas não provei da polpa.
O que faltou? Abelha, dizem. O que sobrou? Lagarta.
Da janela eu via uma e outra borboleta borboleteando nas parreiras que subiam pela trama de arame improvisada entre o guarda-corpo e as vigas do teto. A ramagem verde, as borboletas amarelas e as flores roxas trouxeram um ar patriótico-carnavalesco a este trecho da fachada, de resto covardemente bege e desenxabida.
Do nada, folhas e gavinhas deram de sumir, devoradas por uma horda de lagartas. Pensei: “Que comam; esses tratorzinhos (não à toa há uma marca de tratores chamada Caterpillar…) não hão de devastar minha Amazônia particular”. Pois devastaram.
Quem soou o alerta foi a faxineira, ao me avisar que não iria lavar a varanda, pois tinha pavor daqueles bichos. Eu disse “Deixa que eu lavo”, e voltei com lagartas me subindo pelo pescoço, descendo pela orelha, me agarrando pelo braço. Das parreiras vistosas, só lembrança. E começaram a surgir casulos pelas paredes da sala e dos quartos. Casulos no rack da tevê, na esquadria da janela, no armário da cozinha.
Não houve jeito senão retirar as ramas desfolhadas, semimortas e, abrindo mão das paixões – da flor e do fruto que não veio – ver em poucos dias a casa ser tomada por uma revoada de borboletas amarelas, como se Garcia Márquez saltasse da estante e Macondo fosse aqui.
Por uma semana, resgatei pelo chão borboletinhas moribundas ou natimortas e as depositei, com cuidado, junto ao alecrim, ao manjericão.
A paixão durou pouco — alguns meses, se tanto. Não deu frutos, mas coloriu a vida por uns dias.
Não é para isso que servem as paixões?