No dia 1º de fevereiro, um grupo de 40 cinéfilos ficou preso num cinema, após a gerente ir embora e esquecê-los lá dentro. Sei não, mas acho que isso dá um filme. Ou vários:
1. “Esqueceram de nós” — Comédia tipo sessão da tarde: Subcelebridades dos anos 80, 90, 00, 10 e 20 são esquecidas num cinema de bairro. Para se distrair, organizam festas Flashback e intermináveis mesas redondas sobre os rimeiques de novelas serem infinitamente piores que as produções originais. Como ninguém jamais se dá conta de que essas pessoas sumiram, elas continuam lá para sempre.
2. “Os 40 do Estação” — Épico homoerótico: Quarenta fisiculturistas gregos se reúnem para ver a versão sem censura de “Conan, o Bárbaro” – e não conseguem sair porque tomaram muito shake de whey e creatina durante a sessão e, de tão hipertrofiados, não passam mais pela porta.
3. “Rumo à Estação Botafogo” — Drama histórico: Karl Marx, Friedrich Engels, Vladimir Lenin, Josef Stalin, Danton, Marat, José Dirceu, Franklin Martins e outros 32 filósofos progressistas fazem uma reunião clandestina na última sessão de um cinema de arte para discutir os rumos da luta de classes – e ficam presos numa armadilha dialética. Como se recusam a pagar o preço exorbitante da pipoca e do refrigerante, deliberam por desapropriar os meios de produção – mas morrem de fome e de sede, porque ninguém sabe operar o micro-ondas e todos têm vergonha de ser vistos tomando Coca-Cola.
4. “A dama do Estação” — Pornochanchada: Ao término da sessão das 10 de “Velozes e furiosos 27”, 39 homens descobrem que ficaram trancados no cinema com Darlene, uma desquitada insaciável. Na manhã seguinte, exaustos, descobrem que foi ela quem trancou a porta – e que faz isso em todos os filmes da franquia (ela é a única mulher que assiste a esse tipo coisa, e por motivos bem pouco cinematográficos). Censura: 18 anos.
5. “Cinema Botafogo” — Drama nostálgico: Quarenta cineastas de sucesso retornam à cidade natal, 20 anos depois, e relembram sua juventude, marcada pela amizade com o projecionista do cinema local. Como estão metaforicamente presos no cinema do passado, a gerente não vê mal algum em deixá-los lá dentro e ir embora. Quando o Corpo de Bombeiros chega para resgatá-los, eles se recusam a sair – e estão lá até hoje, discutindo enquadramentos, planos sequência e quem é melhor, Glauber ou Zé do Caixão.
6. “Próxima parada: Estação Botafogo” — Filme de terror: Vinte casais, cansados dos cinemas de shopping, resolvem se aventurar por um cinema de rua. Coisas estranhas começam a acontecer: a fita arrebenta no meio; um rolo de “O exorcista” é incluído no meio de “Bacurau” (a princípio, ninguém nota). Barulhos misteriosos vêm do toalete, e alguns espectadores decidem investigar – as luzes começam a piscar, a lanterna do celular deixa de funcionar e eles são devorados pela loura do banheiro. Outros espectadores resolvem ir até a cabine de projeção (porque o filme ficou assustador depois que acabou a parte da Linda Blair e do padre Karras, e voltou a ser Bacurau) e descobrem que o projecionista é o Alfredo (que morreu no filme “Cinema Botafogo”, lembram?), e seu fantasma retornou para exigir cota de tela, a volta da Embrafilme, a recontratação de todos os lanterninhas e o “Canal 100” antes de cada sessão. Os gritos dos que ainda sobrevivem são abafados pelas rajadas de vento, trovões e pelo barulho da fita arrebentada girando no projetor.
The End