O nome Bia Lessa é praticamente uma advertência: tem arte aí. Pode ser no teatro, no cinema, no visual, no museu ou na literatura; em alguns casos, comoveu em várias versões, por exemplo, em “Grande Sertão, Veredas”: instalação no Museu da Língua Portuguesa, em 2006, peça em 2017 e, por fim, mas não por último, em 2023, “O Diabo na Rua, no Meio do Redemoinho”, também baseado no livro de Guimarães Rosa.
Bia, “carioca nascida em São Paulo”, ainda garota, estudou no Tablado, e já atuou também como atriz. Nesse vaivém artístico, nesta segunda (26/02), vai ser inaugurado o Museu Fluminense FC, em Laranjeiras, criação dela, totalmente remodelado, abrigando a taça da Conmebol Libertadores.
Bia foi convidada por Mário Bittencourt, presidente do clube, para dar charme e contar a história em capítulos, como se fosse no teatro. Pediu a Maria Bethânia gravar o poema O Campo, de João Cabral de Melo Neto, e autorização a Chico Buarque para usar a canção “Bom Tempo”, que está impressa e é ouvida no final da visita e, ainda, frases de Nelson Rodrigues e trechos de textos de Vinicius de Moraes e Carlos Drummond de Andrade sobre futebol.
“Contar a história do Fluminense significa contar através dos documentos, de emoção, da poesia, da música, das conquistas, de Xerém e, para isso, são necessários muitos elementos. E a gente tentou nesse museu, pequeno do ponto de vista de espaço, mas imenso do ponto de vista do conteúdo, narrar com emoção a importância do clube, da torcida e de toda a equipe que faz parte da instituição. Eu, hoje, também me sinto parte do Fluminense”, diz ela.
Leia sua entrevista:
UMA LOUCURA: Eu gosto de loucura, acho loucura às vezes sanidade. O mundo está dividido em categorias e normas cada vez mais frígidas. Ampliar esses limites, mesmo que com alguma loucura, é importante. Acho que minha maior e mais constante loucura é não ter dia, não ter noite, não ter cansaço, não ter preço. O trabalho e o amor me tomam além do previsto.
UMA ROUBADA: A maior roubada é achar que o dinheiro é um valor sublime. O dinheiro é uma espécie de ácido que corrói. Penso sempre como fomos capazes de inventar esse veneno.
UMA IDEIA FIXA: Casa sem chave, visitas a qualquer hora, crianças e velhos juntos! Música, comidinha, festa, samba, funk e depois banho gelado, cama com livrinho e Celibidache regendo todos os clássicos que amo.
UM PORRE: Tomei alguns porres, uns ótimos, memoráveis, outros terríveis. No pior deles, atravessei a pé o túnel Rebouças de madrugada, aos 15 anos. Mas os bons porres foram com os amigos, nas madrugadas, na areia da praia. Mas porre não é meu forte — gosto da consciência, gosto da lembrança, do que fica no dia seguinte.
UMA FRUSTRAÇÃO: A maior de todas é não falar muitas línguas, poder me comunicar livremente com qualquer pessoa, de qualquer país. Isso seria sublime! Tenho pesadelos e também sonhos com esse tema. Acho que essa é uma das razões que me levaram à minha profissão — uma linguagem que ultrapassa o idioma.
UM MEDO: Tenho medo de barreiras intransponíveis, doenças, tragédias, injustiças.
UM APAGÃO: Não tenho uma memória cronológica: minha vida é cheia de apagões, de coisas que sumiram para sempre e de fatos que parecem ter acontecido ontem. Datas e nomes não estão no meu radar – abdiquei delas.
UMA SÍNDROME: A de querer o impossível.
UM DESEJO: Desejo de que um disco voador pouse na terra, mudando o rumo, os paradigmas — alguma coisa que tenha a força de transformar crenças, desejos! Que nos obrigue a achar outros caminhos. “O que aqui está é estrume para futuro.”(Fernando Pessoa)
UM DESPRAZER: Não achar o livro que eu estou lendo, perdido entre estantes, bolsas e malas.
UM IMPULSO: Trabalhar sem ver a hora passar.
UM DEFEITO: Defeito é não conseguir organizar minha vida, planejá-la, ter tempo para cuidar de mim como eu deveria. Exames periódicos, exercícios diários são um calo no meu pé.
UM INSUCESSO: Acho que sou resultado dos meus insucessos. Desde pequena, sempre fui o patinho feio, a menor da turma, a (de alguma forma) desajustada, a que tinha medos (não conseguia dormir), a que fugia de casa de madrugada, a que não comia. Muitos insucessos me transformaram no que eu sou, para o bem e para o mal. Acredito que os insucessos são, de fato, fundamentais. Minha mãe (Therezinha Gonzaga Ferreira), muito sabida, para me amparar nas minhas angústias, dizia que minhas “questões” era o que eu tinha de mais precioso — que era o que me diferenciava dos outros, e assim sigo até hoje.
UMA PARANOIA: Hospital: não gosto, piorei com as experiências que tive. Fico de olho, não confio, já passei por experiências terríveis. Hospital para mim é o lugar onde menos se produz saúde.