O preconceito contra os japoneses também se estendeu à sua culinária. A constatação é de Telma Shiraishi, chef do Aizomê, em São Paulo, e embaixadora da culinária japonesa, que volta ao Rio, entre os dias 25 e 27/01, para mais um jantar do projeto Om.akase, no Hotel Janeiro, Leblon, menu degustação para apenas oito pessoas no balcão. Telma, que cozinhou no hotel de Oskar Metsavaht em 2022, recebeu a coluna em seu restaurante na Japan House (SP), para um papo sobre os 115 anos da imigração japonesa no Brasil. Alguns trechos a seguir.
Sushi e fermentados? “Comida podre”
“Os brasileiros e os outros imigrantes estranharam porque eles comiam peixe cru. “Que coisa horrorosa!…”. E havia muitos fermentados, muitas conservas, então eles diziam que os japoneses comiam “comida podre”. Nunca tinham visto comida fermentada. Não tinham visto missô, nem produção de shoyu e os vegetais em conserva. Achavam aquilo tudo muito horroroso e muito estranho ao paladar. Lá pelos anos 1980 e 90, quando começou a sair, via Hollywood, aquele glamour dos enlatados, dos filmes e das séries americanas, passou a ser muito chique comer sushi aqui, no Brasil; então começamos a importar o modelo de negócio dos americanos, inclusive a forma como fazem sushi. A culinária japonesa caiu no gosto dos brasileiros, que aprenderam a comer sushi ou comida japonesa, mas ao modo Filadélfia, cream cheese, California roll, a Hot, tudo por influência americana. Reza a lenda que Filadélfia foi criado no Rio.”
Herança culinária ancestral. Insumos do Japão por aqui
“Quando abri o Aizomê, há 16 anos, quis fazer algo que fosse muito mais próximo à minha ancestralidade, à origem do Japão e que também contasse a história da culinária japonesa que foi praticada ou adaptada pelos imigrantes. Aí, sim, faz sentido. Temos a maior comunidade japonesa fora do Japão. Isso aqui é uma unidade japonesa, com muitos imigrantes aqui; aí, sim, cada um no seu campo/contexto, teve que adaptar as receitas que eles trouxeram — dos avós, né? O gosto que eles tinham, a memória do Japão que eles deixaram para trás. Eles tentaram replicar aqui, só que havia o desafio dos ingredientes; o mar não é o mesmo; o clima não é o mesmo… Muitos temperos: uma boa parte não tem acesso aqui. Hoje em dia, com a globalização, é muito mais fácil; mesmo assim, há lugares aqui, no Brasil, onde você não tem essa facilidade de acesso aos ingredientes japoneses”.
“Há comunidades imigrantes que não se fixaram só aqui, em São Paulo, onde há um polo gastronômico, um polo econômico, então tudo é mais fácil aqui. Há, por exemplo, uma grande comunidade no Paraná e em Campo Grande (MS), onde tem um prato que é patrimônio da cidade, o sobá, a releitura de uma receita tradicional do sul do Japão, remete a um yakisoba ou a um lamem. É lá que vive uma grande comunidade de Okinawa, na Ilha Sul do Japão. No Japão, você fala “ramen”, porque os japoneses não pronunciam o L, mas todo mundo fala lamen. No Pará, há uma grande comunidade japonesa também, na cidade de Tomé-Açu. Por causa deles, o Brasil chegou a ser o maior produtor de pimenta-do-reino (antes de virem as pragas). Há várias outras contribuições dos imigrantes em vários locais. No Paraná, além do café, havia algodão, bicho-da-seda. O Brasil foi também o maior produtor de seda, a sericicultura, antes de ser desbancado pela China, mas isso entre as décadas de 30 e 60″.
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