A incidência de problemas relacionados à coagulação de sangue aumenta durante o calor. O motivo é a sobrecarga do sistema, pois o calor causa desidratação e, quanto menos água se tem no organismo, mais devagar o sangue vai passar pelos vasos sanguíneos, o que faz crescer as chances de o sangue coagular. E essa coagulação pode levar a um acidente vascular cerebral (AVC), conhecido popularmente como derrame, infarto, trombose, dentre outros problemas.
A onda de calor que passa pelo país vai persistir até 2024 e acende um alerta para a prevenção de problemas de coagulação. O número de internações por AVC no Brasil cresceu 40% nos últimos nove anos, passando de 133 mil para 185 mil pacientes. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o AVC é a segunda maior causa de morte no mundo, perdendo apenas para cardiopatias isquêmicas. Em relação à trombose, somente nos primeiros oito meses de 2023, 165 pessoas foram internadas, por dia, no país, chegando a 180 mil novos casos por ano.
Essas condições podem afetar pessoas de qualquer idade, mas o calor leva pessoas jovens e saudáveis a situação de maior risco. Isso porque são pessoas que costumam ser mais resistentes ao calor. Eles demoram mais a sentir os primeiros sintomas de desidratação, mas o corpo pode entrar em colapso antes de esses sinais aparecerem — é o que pode ter acontecido com a jovem que passou mal, vindo a morrer, enquanto esperava o show da cantora Taylor Swift, no dia 17 de novembro, no Estádio do Engenhão. A sensação térmica beirava os 60°C; quem estava dentro do estádio, aglomerado, experimentava um calor maior ainda.
Ana Benevides, de 23 anos, morreu devido uma hemorragia pulmonar. Assim como atingem o cérebro ou membros inferiores, o evento vascular hemorrágico, quando uma ou mais artérias se rompem, ou isquêmico em que ocorre a obstrução, pode acontecer em qualquer região. Então, a desidratação e alta temperatura oferecem maior perigo, ainda mais para quem já sofre com problemas de coagulação.
O fato é que nosso organismo não é preparado para suportar temperaturas muito altas. É normal se sentir fraco e cansado, principalmente crianças e idosos, mas todos, sem exceção, devem redobrar a atenção com a hidratação e proteção solar mecânica (uso de guarda-sol, bonés e roupas adequadas) para evitar insolação e outros problemas de saúde mais graves.
O problema é que as pessoas não têm o hábito de beber água; só o fazem ao sentir sede, mas, quando sentem, é sinal de que o corpo já está desidratando. Além disso, alimentos muito doces, ricos em sal e bebidas alcoólicas agravam a desidratação em vez de ajudar. Então, aquele chopinho em dias de muito calor, por exemplo, deve ser intercalado com generosos copos de água para evitar uma desidratação. Sucos, sorvetes, podem até ajudar a refrescar, mas nada substitui a boa e velha água — de preferência, gelada, para ajudar a baixar a temperatura do corpo.
Existe uma recomendação geral de 30 ml por quilo, ou seja, uma pessoa de 70 quilos deveria tomar pouco mais de 2 litros ao dia. Manter-se hidratado é importante porque a água transporta as substâncias no nosso corpo, tanto para nos alimentar quanto para eliminar resíduos pela urina e manter nosso sangue circulando de forma regular.
Além da sede, outros sinais podem indicar que você precisa aumentar a ingestão de água:
— urina escura e com odor mais forte: isso acontece porque, quando ingerimos pouca água, a concentração de ureia aumenta; quanto mais clara a urina, melhor;
— suor com cheiro forte: sinal de que seu corpo não está liberando toxinas de forma eficiente;
— prisão de ventre: nosso intestino precisa estar hidratado para trabalhar corretamente;
— cansaço e irritabilidade: sinais de que o sistema nervoso já está sendo afetado pela desidratação e que algumas proteínas não estão sendo quebradas (hidrolisadas), o que também pode afetar a produção hormonal;
— dor de cabeça e tontura: sintomas que podem indicar perigo de AVC! É um sinal de que há uma contração dos vasos sanguíneos do cérebro, que é um dos órgãos que mais demanda água. Esses sinais indicam uma desidratação já avançada e não podem ser ignorados!
Manter-se hidratado, não se expor a altas temperaturas, alimentar-se bem e de forma saudável, praticar exercícios frequentemente e controlar as doenças e condições preexistentes, como cardiopatias (hipertensão) e diabetes, são as melhores formas de se prevenir o AVC e a trombose em qualquer ocasião. Mas é importante redobrar os cuidados na temporada de calor que vem chegando por aí.
Orlando Maia é neurocirurgião, ex-presidente na Sociedade de Neurocirurgia-RJ, chefe do serviço de Neurocirurgia e Endovascular do Hospital Santa Tereza (Petrópolis) e diretor do Interneuro, na Barra.