A gaúcha Carol Presotto, que vive entre Rio e SP, tem voz suave, ritmo cadenciado quase hipnótico. A médica dermatologista, que só veste roupas brancas e não usa maquiagem, fundou a Medicina da Consciência em 2015, uma técnica de cura que junta ioga, princípios da ayurveda e meditação com conhecimentos modernos das medicinas ocidental, natural e funcional.
Parecem utopias as integrações ciência & espiritualidade, medicina & yoga, consciência & ação. No entanto, Carol encontrou uma fórmula através de consultas e tratamentos energéticos, aulas de meditação e Kundalini Yoga (canalização do fluxo de toda energia que fica travada em alguns pontos do corpo), retiros, cursos e outras experiências de transformação.
Este ano, a Medicina da Consciência se tornou um instituto. Sendo assim, ela quer expandir o acesso a ferramentas de autoconhecimento, promovendo a transformação social a partir da saúde mental. Em 2018, abriu um espaço na Rua Dias Ferreira, no Leblon, onde pratica a sua técnica: salas para terapias, danças medicinais, workshops de escrita criativa e consultórios.
Carol viveu um ponto de virada quando, na Índia, estudou conhecimentos milenares, como ayurveda e técnicas de cura integrativas. Nesses nove anos, ela atendeu mais de 10 mil pessoas – somente nos últimos cinco anos, 2 mil pessoas participaram dos retiros e eventos presenciais e virtuais. De 11 a 17 de janeiro, sempre às 7h30, ela faz o evento “Ano Novo, Lua Nova: Uma Jornada Meditativa para Abrir as Energias de 2024”, encontros online para meditação guiada. Toda a renda das inscrições destina-se às ações sociais sustentadas pelo instituto.
Chega fim de ano, e a gente sempre fala sobre as resoluções, desaceleração, olhar mais pra nós, etc. Isso é possível num tempo tão corrido em que vivemos?
Sim, é possível — o que torna o tempo corrido é a ausência de pausas. Precisamos descobrir essas pausas e permitir a desaceleração, encontrando um estado oposto. Se abrirmos um estado de pausa, de presença interna, encontraremos uma contraposição àquilo que nós estamos vivendo e estabelecemos um encontro com nós mesmos. Fim de ano, muitas vezes, é o momento para a gente lembrar de simplesmente respirar um pouquinho, um minuto, às vezes 30 segundos, para encontrar um estado interno diferente.
Você vai fazer o evento “Ano Novo, Lua Nova: Uma Jornada Meditativa para Abrir as Energias de 2024”, em janeiro. Por que é necessário começar um ano sintonizado em alguma energia?
A proposta do evento é para nos sintonizarmos na primeira Lua Nova do ano. Os anos são ciclos criados por nós; com eles, podemos nos sintonizar, reorganizar e alinhar a energia que já está ali. A ideia é justamente proporcionar momentos de presença, de pausa, de conexão com nós mesmos, para esse alinhamento com a energia, e permitir que o ano novo comece envolvido em uma energia mais sincrônica; então, é muito mais uma sintonização interna.
Se o “olhar pra dentro” é tão importante, por que a maioria das pessoas está mais preocupada só com o externo, em ter, e não ser?
É uma pergunta complexa, profunda. Uma das primeiras coisas é que não aprendemos a olhar para dentro, cultural e socialmente. É justamente quando olhamos para dentro, que temos a percepção do que está acontecendo de forma sutil e inerente, subjetiva, do nosso próprio ser. Nossa cultura social é de mais de 2 mil anos, quando sustentamos a percepção do ver para crer, do é necessário eu ver e tocar através dos meus sentidos para eu entender a existência. Estudamos a matéria e chegamos à conclusão de eu sou porque eu toco, eu vejo. Então, o mundo externo acaba ganhando um peso de valor, reconhecimento existencial do nosso próprio ser, maior do que o eu interno. Portanto, é o momento de a gente reconhecer que é necessário aprender a olhar para dentro e ver que existe um mundo, percepções sutis, reconhecimento sutis, sensações sutis e experiências sutis.
O filme “O mundo depois de nós”, na Netflix, com Ethan Hawke e Julia Roberts, trata dos problemas vividos por duas famílias em meio a um colapso tecnológico nos EUA. Traz, de forma subjetiva, temáticas, como desunião, preconceitos e alienação… O homem tem causado o aquecimento global. O que fazer para não pirar ao pensar no futuro?
Temos que pensar que o presente é a cura do nosso futuro, no sentido de reconhecermos primeiro que estamos vivendo no tempo agora, mas olhando para o futuro e entendendo como direcionar nossa energia e consciência. Sinto que esse é um desafio nosso, hoje, de olhar para essa incerteza do futuro, mas com a habilidade de reconhecer a potência do agora. O futuro nos traz horizonte, direção. E há um consumismo, uma construção destrutiva ao que somos coletivamente, tanto como clima, quanto o ambiente e as relações com as pessoas.
Ninguém conversa mais pessoalmente ou tem disposição de ouvir o outro. Esse é um dos males da humanidade? Até por isso, você criou a Medicina da Consciência? Como aconteceu?
A escuta é uma das nossas principais inteligências sutis. É escutar o outro para termos empatia, compaixão porque a escuta permite receptividade de energia. Essa inteligência que a gente pouco desenvolve é uma das mais importantes para a transformação. A Medicina da Consciência nasceu muito por um processo de transformação pessoal. Sou médica de formação e já exercia a Medicina, atuava como dermatologista, mas as inteligências mais sutis, como meditação, ioga e espiritualidade, já estavam na minha vida há, bastante tempo. Em 2014/2015, vi que eu não estava sendo exatamente o que eu era, que eu estava ali comprimida dentro de uma capa que eu precisei vestir para existir. Nesse momento, passei por uma transformação, através de processos de desapegos de reconstrução, e fui pra diversas viagens na Índia. Foi assim que me reconectei. A grande questão da atualidade é que não abrimos espaço pro outro porque estamos muito ocupados conosco mesmos e com nossas próprias dores.
Você criou o movimento em 2015, e este ano se tornou um instituto sem fins lucrativos com objetivo de expandir o acesso a ferramentas de autoconhecimento e cura sistêmica, promovendo a transformação social a partir da saúde mental. De lá pra cá, quais foram as maiores mudanças notadas por você nas pessoas (e ainda com uma pandemia no meio)?
Principalmente, a transformação coletiva e social em relação à saúde mental; hoje temos uma abertura muito grande para conversar sobre isso. Foi um momento doloroso, mas que abriu portas pra gente conversar mais abertamente sobre isso. Vi muitos processos evolutivos no sentido de as pessoas estarem mais perto de si mesmas, se descobrindo, passando por transformações.
O que você indica para alguém que pretende entrar em 2024 com uma atitude diferente e tentar cuidar mais do espiritual?
Reconhecer que a espiritualidade é uma troca que acontece entre você e você, numa percepção e numa experiência mais ampliada e expandida. Isso significa que a espiritualidade é inerente e acontece dentro de um espaço de conexão e presença. Estabeleça espaços de presença e reconheça o momento em que você está vivendo e procure se conectar de uma forma mais ampliada. Se você está com os pés na areia, se conecte com a areia. Se você está indo para o trabalho, procure se conectar com essa experiência – você está indo em direção a algo que move sua vida ou que ajude a sustentá-la. Não existe um protocolo, nem regra. Espiritualidade pode ser respirar, dançar, escutar ou cantar uma música, mergulhar no mar… Mas tudo com uma conexão com aquilo que faz você se sentir mais amplo e expandido. Se tivesse uma dica, eu diria para você agora: comece o ano respirando, comece a se sintonizar com a sua respiração, trazer a sua respiração como uma ferramenta de presença e de conexão.
Você ainda atua como dermatologista? A “moda” é a harmonização, pessoas perdendo a mão, querendo bocão, bochechas proeminentes, rosto quadrado, um padrão totalmente uniformizado, e você prega a naturalidade, usa branco e não usa maquiagem, o que é raro nos dias de hoje. Já notou olhares “tortos” por isso?
Há alguns anos, já não faço atendimentos dermatológicos, porque meu trabalho com as pessoas está numa visão mais integral, de ajudá-las a se sentirem em harmonia com a sua mente e o estado espiritual. Foi importante essa libertação, inclusive a de não precisar me maquiar: isso não me desqualifica. Cada um tem que se sentir muito livre pra entender a sua identidade.
Quais as mudanças mais radicais que você já viu acontecer nesses 9 anos de movimento?
Reconhecendo transformações… Será que a gente tem como qualificar como mais radical ou menos radical? Eu sinto que todas as transformações são importantes. A minha foi radical, da ciência para o espiritual, e hoje eu me sinto uma pessoa muito mais inteira, muito mais conectada, aberta a reconhecer a consciência com toda a vulnerabilidade. Já vi pessoas se transformarem no sentido de mudar a direção de onde elas estavam olhando. Pessoas mudarem de profissão e buscarem outras coisas e novas relações. Mas o maior radicalismo é ver as pessoas se abrirem para o amor, quando ela chega se sentindo pequena, apertada, separada e de repente começa a olhar a vida, reconhecendo que o amor está nela. Esse amor e essa consciência espiritual são a transformação mais radical, e a que me deixa muito honrada e grata.
Para finalizar, o que você diria para as pessoas em 2024?
Respirem e lembrem-se de que vocês são consciência evolutiva; então, a vida está aqui para nos dar oportunidades e experiências que nos fazem crescer. Somos seres coletivos, portanto sustente essa experiência com compaixão, empatia, escuta e trocas que nos fazem crescer.
Por Dani Barbi