O chamado meio da carreira, ou “mid-carreer”, é certamente o período mais longo. Exige resiliência, persistência, insistência, muitos artistas desistem, param.
Certa vez, deparei com esta reflexão, de que este seria o período mais difícil, o da resistência. No começo, existe um interesse pela novidade, uma aposta, e muitas oportunidades: salões, concursos, editais, todas as possibilidades estão abertas. Depois de uma primeira “rodada” no circuito, as oportunidades começam a diminuir, depois de ter participado de alguns salões e programas de incentivo para jovens artistas. Para alguns editais, existe limite de idade ou de tempo de carreira. Justo, mas então onde estão as oportunidades para os artistas em meio de carreira?
Para as artistas mulheres em meio de carreira, com todos os desafios e demandas impostas pelo combo vida privada e profissional, os desafios podem ser ainda maiores. Algumas têm filhos, o que traz uma nova tração para a vida pessoal; o espaço para a mulher parece se afunilar.
Representatividade feminina, no mercado e nas instituições, vem crescendo, mas ainda é proporcionalmente pequena, como apontam inúmeras pesquisas — basta olhar o desproporcional número de artistas homens e mulheres no elenco da maioria das galerias. Somos ainda minoria nos espaços institucionais, galerias, coleções e feiras de arte. É um fenômeno mundial, não exclusivo do Brasil.
Tenho visto alguns colecionadores fazendo um esforço consciente para comprar obras de mulheres: são atitudes, eu diria, necessárias. Vemos um aumento do número de residências artísticas que aceitam famílias e mulheres com filhos, mas ainda são raras. Frequentemente, viagens, residências artísticas, projetos mais longos são um empecilho para as mulheres que constituem família.
Temos visto artistas com 70, 80 e até 90 anos de idade sendo descobertas, redescobertas. Muitas delas trabalharam sozinhas em seus ateliês, quase invisíveis aos olhos da sociedade, resistindo. O maior exemplo é Carmen Herrera, pintora cubana descoberta aos 89 anos, que ainda teve enorme reconhecimento em sua longeva existência, até os 107 anos.
Poderia não ter tido esse reconhecimento em vida, como é o caso de tantas mulheres cuja obra é reconhecida e os valores de mercado aumentados astronomicamente depois da morte.
Os estudos, as estatísticas sobre a representatividade feminina cresceram e estão mais evidentes, como que jogando na cara a necessidade de maior inclusão.
Apesar de, no Brasil, ainda termos uma situação, em parte, privilegiada, com alguns dos artistas de maior destaque do cenário nacional sendo do gênero feminino, isso é uma exceção e infelizmente não representa a maioria. Não sou uma teórica no assunto, mas, como representante da classe, diria que vivo na pele e percebo isso no dia a dia.
Quantas Carmens Herreras ainda serão necessárias para conseguirmos valorizar a arte produzida pelas mulheres em seu próprio tempo? O cenário evoluiu, sim, mas ainda pouco se tem a comemorar.
Em 2005, no início da minha trajetória, realizei uma grande instalação “site-specific” no Paço Imperial. Eu me sinto privilegiada por poder expor novamente nesta importante instituição cultural do país, pela segunda vez, 18 anos depois.
Foto: Leo Aversa
Ana Holck é artista visual, formada em Arquitetura e Urbanismo pela FAU/UFRJ (2000), com Mestrado em História pela PUC-Rio (2003) e Doutorado em Linguagens Visuais pela EBA-UFRJ (2011). Começou sua trajetória nos anos 2000, com instalações de grande formato, tendo feito exposições em importantes instituições no Brasil e no exterior. Neste sábado (02/12), às 15h, inaugura a exposição “Entroncados, Enroscados e Estirados”, no Paço Imperial, com curadoria de Felipe Scovino.