Se os reencarnacionistas estiverem certos e a gente voltar para outras vidas, acumulando o que aprendeu nas experiências pregressas, na próxima vez devo renascer como corretor de imóveis.
Do amor aprendi muito pouco – e quase tudo errado. O que sei de português não me servirá numa próxima existência – já quase não me serve nesta. Os perrengues imobiliários é que hão de ser minha alavanca na jornada da evolução.
Mas serei um corretor como nunca se viu: indicarei que imóveis NÃO comprar ou alugar.
Para quem não puder esperar todo o processo – minha morte, cremação (não vai ter velório), decepção na chegada ao Além (sou ateu, e imagine a minha cara ao acordar do lado de lá e descobrir que existe um lado de lá…), fechamento do balancete (e negociação para parcelamento dos débitos, já que os erros terão sido muito maiores que os acertos), preenchimento de formulário de retorno (serei mais assertivo na entrevista com o RH do Umbral), fecundação, gestação, parto, traumas de infância, adolescência complicada etc – adianto aqui algumas das dicas.
1. Faça um testidraive do imóvel antes de comprar ou alugar. Leve um colchonete, uma garrafinha de água e passe lá uma noite de sexta-feira, uma tarde de domingo. O corretor sempre te levará para visitar o apartamento numa manhã de terça-feira, quando tudo parece civilizado. Assim como só se conhece o cônjuge na hora da divisão dos bens, um imóvel só se revela depois que você já está instalado. Instale-se, provisoriamente, e pegue o apê no pulo;
2. Conheça a garagem. Analise a sua vaga. Só aceite vaga demarcada, com o número do apartamento pintado no piso. Verifique se as medidas não são a conta de um Caoa Chery (amassado nas laterais). Se ninguém te prende (para você não ter que acordar o vizinho folgado para vir tirar o carro dele e você poder sair) ou se você não prende ninguém (para o vizinho folgado não vir te acordar);
3. Converse com a síndica. Encomende um mapa astral dela. Se for de Escorpião, esqueça. De qualquer outro signo, também.
4. Vá a uma reunião de condomínio. De preferência uma que trate de cota extra, obra de impermeabilização que ficou mais cara que o previsto ou problema de elevador (ou seja, qualquer reunião de condomínio serve). Observe o comportamento dos participantes. Pondere se você tem saúde para conviver com aquelas pessoas;
5. Faça uma visita de cortesia à vizinha de cima. Leve uma balança e, discretamente, pese os móveis da sala e do quarto. Verifique se o piso está todo arranhado no entorno dos pés das mesas, cadeiras, cama, armários, sofás, penteadeira. Certifique-se de que ela não joga boliche no corredor ou tem um pula-pula na varanda;
6. Faça outra visita, agora ao vizinho de baixo. Dê uma espiada nos CDs dele e peça para ver a pleiliste do Spotify. Averigue a potência do seu equipamento de som. A quantidade de garrafas de uísque e packs de cerveja. O número de amigos baladeiros que ele tem nas redes sociais;
7. Dê uma lida no livro de reclamações. Se possível, escaneie todas as páginas (só dos últimos cinco anos). Monte uma planilha com as principais queixas, de quem são, contra quem são. Veja se nenhum dos chatos (os que reclamam) ou dos abusados (os reclamados) mora no seu andar ou num raio de cinco andares para cima ou para baixo;
8. Se o prédio tiver piscina, fuja. Se tiver quadra, bata em retirada. Churrasqueira, escafeda-se. Play embaixo da sua janela, dê no pé;
9. Tudo menos bater o sol da tarde, se for no Rio. Nada que não bata o sol da tarde, se for em Curitiba;
10. Mesmo que você não tenha cachorro ou gato, se informe se o prédio é pet friendly. Quem não gosta de bicho bom sujeito não é.
Considere todos esses itens — e torça para encontrar uma cabana numa ilha no noroeste da Groenlândia.