Começaram a surgir aplicativos de relacionamento voltados para determinados nichos de mercado. Já existe um app só para veganos e vegetarianos, o Veggly. Um só para esquerdistas, o Lefty. Um só para pessoas negras, o Denga (não, isso não é racismo; racismo seria se fosse só para pessoas brancas). E um só para gente podre de rica, o MillionaireMatch
É justo que veganos queiram se relacionar com outros veganos. Assim não haverá mal-estar com o peru assado na ceia de Natal, ao lado da rabanada de jaca — ou com a divisão da conta meio a meio, quando um pediu filé mignon e o outro, uma saladinha. E é compreensível que esquerdistas não queiram correr o risco de, na empolgação da hora H, pedirem para o parceiro fazer o L — e ele perder o pique e desarmar a arminha.
Os opostos até se atraem, mas são os iguais que chegam junto mais facilmente. É o “Eu também!” que une, muito mais que o “Não acho que seja bem assim…”
Não-fumantes devem preferir não-fumantes. Botafoguenses, outros botafoguenses (ainda que isso reduza drasticamente o número de possíveis pretendentes). Apps de relacionamento com essa proposta teriam evitado muitos divórcios. Quantos casamentos já não acabaram porque alguém que gosta de dormir de conchinha só foi descobrir na lua de mel que o parceiro não suporta cheiro de nuca? Ou que a pansexualidade do outro, que inspirava tantas fantasias, era pan mesmo — incluindo guarda-chuvas, samambaias e aspiradores de pó?
Por outro lado, conhecer alguém na praia, numa festa, na seção de vinhos do supermercado sempre teve mais charme. O contato visual, a linguagem corporal e o tom da voz trazem informações sutis, que o algoritmo jamais conseguiria captar.
Os apps de relacionamento apenas facilitam a vida de quem frequenta a seção de vinhos em horários diferentes, em supermercados diferentes e mesmo por motivos diferentes (“Não tem um bem baratinho, pra fazer sagu?”, “Pra desengordurar fogão, será que é melhor um branco ou um tinto?”).
Essa facilidade tem levado à uberização dos relacionamentos, à ifoodzação dos afetos e à airbnbzação do sexo.
Tudo ficou mais rápido e mais descartável. Se antes uma conquista presencial levava algumas horas, hoje pode-se dar 20 matches em poucos minutos (dependendo de quão antiga seja a foto que você usou no seu perfil, ou da qualidade do filtro de imagem utilizado). Um pé na bunda, que deixava marcas indeléveis na autoestima, agora é curado com 20 deslizadas para a esquerda (aqui, sem qualquer conotação político-partidária).
Mas o ideal seria um aplicativo que focasse na complementaridade: apresentar pessoas que gostam de comer às que gostam de cozinhar (ou as que gostam de cozinhar às que adoram lavar louça); as que leem compulsivamente e as que não param de escrever (tendo o cuidado de selecionar as que escrevem direito); sádicos e masoquistas; bons falantes e bons ouvintes; pais de pet e donos de pet shop.
Tudo isso me faz ter esperanças de haver, um dia, um app só para nativos de Touro que não creem em horóscopo (o que evitaria o risco de envolvimento com alguém de algum dos 11 piores signos do zodíaco). Só para quem goste de cachorro (e de uma casa cheia de pelo). Gente que deteste pimentão, abomine barulho e tenha ojeriza de “Evidências”.
E que conte com um algoritmo que dê um jeito de a gente não dar match apenas consigo mesmo.