Ninguém entende mais sobre um assunto quando é parte dele. Assim como o carioca Rodrigo Pimentel, ex-capitão do Bope (Batalhão de Operações Especiais), dos 18 aos 29 anos (1990 a 2001), quando pediu baixa.
É pós-graduado em Sociologia Urbana pela UERJ e um dos maiores especialistas em segurança pública do País — desde 2019, ele mantém o Canal Rodrigo Pimentel no YouTube, além de dar palestras, fazer consultorias e ser o personagem para opinar toda vez que surge um evento como o desta semana, quando a milícia queimou mais de 35 ônibus na Zona Oeste.
Pimentel ficou conhecido por criticar, de forma aberta e inteligente a Polícia Militar, e, mais ainda, como o “capitão Nascimento da vida real”, quando escreveu os best-seller “Elite da Tropa I e II” (2005 e 2010), o primeiro em parceria com Luiz Eduardo Soares e André Batista, enquanto o roteiro do filme “Tropa de Elite” tomava forma — ele foi um dos roteiristas. Embora digam que o personagem principal foi inspirado em si mesmo, ele declarou que foi criado totalmente fictício, baseado em acontecimentos que ele presenciou e com outros integrantes do Bope. Pouco antes, foi coprodutor do documentário “Ônibus 174”, do diretor José Padilha, sobre o sequestro do coletivo da linha 174, em 2000, que ficou parado no Jardim Botânico por quase 5 horas, sob a mira de um revólver.
Nos 12 anos em que esteve na polícia, Rodrigo fez cursos táticos em Israel, Inglaterra e Estados Unidos, onde aprendeu qual seria o melhor armamento para cada tipo de operação, buscando a menor possibilidade de causar feridos. Começou a comparar o Rio com outras cidades e, por isso, resolveu estudar questões relativas à segurança pública — um dos motivos de ter saído foi a insatisfação com a forma como era conduzida a segurança no Rio, o que, segundo ele, nada muda de um governo para o outro.
Por que “Tropa de elite” parece que nunca vai ficar antiquado?
Infelizmente, continua mais atual que nunca, com a sensação de que a realidade do Rio superou a ficção. Que roteirista poderia imaginar que as milícias iriam colocar a cidade de joelho, queimando ônibus, trens, fechando as principais avenidas, criando um apagão no governo e espalhando medo em quase dois milhões de cariocas que vivem na Zona Oeste?
Qual a diferença dos últimos anos no comportamento dos bandidos cariocas e do Bope desde quando você saiu?
Ja tivemos dezenas de ações de bandidos queimando ônibus, as mais lembradas são as de 2002, quando uma dona de casa morreu vítima de queimaduras dentro de um ônibus na zona sul, no governo de Benedita da Silva. Tivemos uma onda de ataques em 2012, que durou sete dias, que resultou na invasão do complexo do Alemão, governo Cabral. Nunca tivemos, no entanto uma ação tão ousada com o propósito claro de impactar toda a cidade através do caos no transporte público. Sim, foi esta de fato a ação mais ousada do crime organizado no Estado. Não lembro de nada igual nos tempo que estive no BOPE.
O que precisa mudar na segurança da cidade? Porque, desde que o Rio é Rio, as notícias são bem parecidas entra ano e sai ano.
Em outubro de 2022 tivemos no estado a menor taxa de homicídios dos últimos 31 anos, ninguém acredita nesta informação, mas pode checar na página do ISP/RJ. A conclusão a que chegamos é que segurança não é somente análise de números, mas também a percepção da população. Se as pessoas continuam com medo, se o turista continua receoso de visitar a cidade é sinal de que as políticas de segurança implantadas, apesar de obter a redução das mortes, não estão devolvendo aos cariocas a percepção de que a cidade está mais segura. Como convencer alguém que visitar o Rio é seguro depois das imagens dos arrastões no show do Alok em Copacabana por exemplo?
Quando você criou o canal no YouTube, qual foi sua intenção? E hoje ficou diferente? Quais as dúvidas que você mais responde e as interações que mais recebe?
Curiosamente a pergunta que mais recebo é se existe saída para a crise de segurança. Respondo, francamente, que a médio e curto prazo, não. Também respondo a pergunta de turistas em potencial que querem visitar a cidade. Digo que venham e tomem os cuidados necessários, típicos de qualquer grande cidade e sempre dizia que a orla era razoavelmente segura. Quem viu a morte dos médicos e ouviu minhas orientações certamente se sentiu enganado.
Como analisa a situação dos ônibus queimados, dos médicos assassinados? Que preço o Rio paga?
Além da tragédia para os familiares, será péssimo para o turismo na cidade, também para o imaginário de que na Barra da Tijuca, antes só morriam assassinadas pessoas ligadas à contravenção, agora turistas inocentes são metralhados em uma ação covarde que iguala a Barra a um bairro de periferia onde ocorrem chacinas que só conhecíamos em jornais.
Por que o crime parece ser mais organizado que os governantes? Você vê solução?
O RJ é o estado onde cinco governadores foram presos, Rio é a cidade onde o prefeito foi preso, Rio certamente é pior que Gothan CIity O crime organizado no estado apenas se aproveita da corrupção e do desgoverno.
Você prevê alguma mudança? Consegue pensar na população carioca tranquila algum dia?
Ha duas semanas descobrimos que o Comando Vermelho montou um centro de treinamento de criminosos a cinquenta metros da Linha Vermelha, via que dá acesso ao Aeroporto Tom Jobim, no momento exato que o prefeito tenta ressuscitar o aeroporto falido. Quem se arrisca a passar na Linha Vermelha sabendo que a escola da facção mais sanguinária fica ao lado da Via? Precisamos sim de uma nova Intervenção Federal, isto está claro.
Você diz que quem manda é a Assembléia, o que isso significa para o morador do Rio?
Claudio Castro foi eleito no primeiro turno pela maioria da população, mas no RJ tudo é diferente, aqui deputados estaduais pressionam e impõem um chefe de polícia. Porque deputados estaduais desejam controlar a polícia civil? Responda quem quiser.