Opinião, por Ivanir dos Santos (babalaô), sobre o caso Vinícius JR.: “Quem tem medo de apoiar atletas negros e negras?”
Mais um caso de racismo escancarado e evidenciado mundialmente! Mais um caso em que o racismo, como um “crime perfeito”, culpabiliza e responsabiliza as suas vítimas pelas violências de seus algozes. Seja dentro, seja fora dos campos de futebol, o racismo ainda é uma das marcas da branquitude que, por medo de perder os seus privilégios ou por não conseguir supor ver pessoas negras no mesmo “patamar” social e financeiro, vai criar mecanismo de exclusões e hierarquias. Ao analisar as discrepâncias dentro do mercado de trabalho, entre pessoas brancas e negras, a professora doutora Cida Bento estabeleceu uma ótica de observação a qual chamou de “pacto da branquitude”.
Segundo a autora, o “pacto da branquitude” pode ser compreendido como a autopreservação, que atende a interesse de determinados grupos e perpetua o poder de pessoas brancas. Mesmo estando dentro de um contexto de análise, o mercado de trabalho, podemos aqui dizer que o pacto da branquitude também está no “mundo do futebol”, dentro ou fora dos campos, ou até mesmo nas arquibancadas. Sendo a Espanha um país que ainda vive sob a glorificação de um passado colonial e escravocrata, é de extrema importância pontuarmos que o “pacto da branquidade” está engendrado nas relações sociais cotidianas entre opressores e oprimidos.
Por isso, precisamos pensar e dimensionar sobre “os pactos das branquitudes” (no plural mesmo), não só pelo alcance que buscamos chamar a atenção das desigualdades pelas pessoas que detêm o poder, mas também por ser o futebol um dos esportes com elevadíssimo casos de racismo. Muitos dizem pregar a diversidade, a equidade, a tolerância e inclusive colocam em seus objetivos e discursos palavras de ordem que supostamente estão voltadas para as minorias representativas. Entretanto, essa diversidade e essa equidade tolerável não se aplicam quando as questões estão voltadas para a luta antirracismo dentro das modalidades esportivas, principalmente, no futebol.
Ora, o caso de racismo contra o atleta Vinícius Júnior, além de ser recorrente, nos revela a inabilidade dos dirigentes em promover ações concretas contra esse tipo de violência. Isso acontece porque o pacto da branquitude no futebol possui um componente narcisista de autopreservação, como se o “diferente” ameaçasse o “normal”, o universal (“Bento”, 2015, e “Kilomba”, 2020).
Então, há o forjamento das representatividades, em que as pessoas brancas acreditam que apenas elas podem representar e falar pelas “minorias”, uma vez que a ideia de universalismo e superioridade, que não coloca as pessoas negras como creditáveis politicamente, a condicionam como únicos representantes. Esse sentimento de superioridade está na essência do preconceito e da representação que as pessoas brancas costumam fazer sobre outro/outra e que permeia também os campos e as arquibancadas. Possivelmente, você pode estar se perguntando sobre as medidas que vêm sendo adotadas, mas precisamos ressaltar que tal possibilidade ainda não é uma realidade pontual no cenário das modalidades esportivas, por isso ainda existe a falsa ideia de que uma “nota” em solidariedade ou um gesto antirracista vai mediar os casos de violência racial. Por isso, é imprescindível a apuração e a punição necessárias aos clubes, às torcidas organizadas e aos dirigentes que ainda permitem um atleta negro ser, mais uma vez, vitíma de racismo.
Ivanir dos Santos é babalaô, professor e orientador no Programa de Pós-graduação em História Comparada da UFRJ, com muitos títulos na luta contra todo tipo de preconceito. O artigo acima teve a ajuda da professora Mariana Gino (CEAP e UFRJ) e secretária-geral do Centro Internacional Joseph Ki-Zerbo pour l’Afrique et sa Diaspora/N’an laara an saara.
Foto: Agência Brasil