Pedro Salomão, 42, para muitos, praticamente um patrimônio carioca, não pessimista, não realista, sempre otimista. O empresário e palestrante, uma espécie de “guru-surfista” está em seu quarto livro, “O Naufrágio dos Afetos”, a ser lançado na segunda (20/03), às 19h, na Argumento, no Leblon.
A publicação é uma continuação dos anteriores: “Empreendendo felicidade”, “Valor presente” e o finalista Jabuti 2019, “LYdereZ”, manual de liderança adotado em muitas empresas. Fala sobre felicidade, relações entre pais e filhos, líderes e liderados, política, questões contemporâneas e dilemas do mundo pós-moderno. “Uma vida desconectada do mundo presente, do hoje, projetada nessa felicidade obsessiva, faz com que nós não tenhamos possibilidade de experimentar os afetos”, diz.
O pai do Bento, 8 anos, e da Maria, de 5, CEO da Rádio Ibiza, que fundou há 17 anos (com os sócios e irmãos Rafael e Levy Gasparian), portelense apaixonado, louco por samba e fã de artes marciais, tem a agenda sempre cheia e vive entre os assentos de avião e sua casa, em Copacabana.
No livro, Pedro cita pensamentos de filósofos como Luiz Felipe Pondé, Albert Campus e Friedrich Nietzsche, e contextualiza as relações, além da importância de viver o presente. “Vivemos uma espécie de analgesia coletiva. Está todo mundo anestesiado, tanto para as dores como para os amores. ‘Naufrágio dos Afetos’ tenta trazer um ponto de lucidez em mundo caótico”, diz Salomão.
Você acredita que a pandemia – porque muita gente divide a vida em antes e depois – funcionou para determinadas pessoas como uma espécie de aviso? Por quê?
Eu acredito que, na verdade, a pandemia foi resposta para um desejo coletivo da sociedade. Todo mundo implorando, pedindo para que o mundo parasse para que a gente pudesse descer deste mundo que não para de girar. E o mundo recentemente parou. E a gente, que estava pedindo por uma pausa, ficou morrendo de medo de sair dessa roda. Ao contrário, ainda na primeira semana, começamos a desejar que o mundo voltasse a ser exatamente como era antes porque, no fundo, a pressa virou nossa bengala para nos desumanizarmos. Se a pressa é inimiga da perfeição, a pressa é, sobretudo, inimiga da humanização. A gente tem se desumanizado nessa pressa infundada, patológica, nociva, que nos afasta dos afetos mais básicos do nosso dia a dia, da nossa convivência humana.
As pessoas mudaram quanto a buscar a felicidade, caso exista?
Inclusive o entendimento de “ser possível buscar a felicidade” é uma novidade pós-moderna. Nesses últimos 40 anos, com a chegada das gerações Y, Z e da tecnologia, migramos de um arquétipo de uma felicidade material e futura, ou seja, ela estava sempre alicerçada na conquista e no acúmulo de bens (carro na garagem, casa própria, dinheiro no banco, etc). Esse arquétipo mudou, ele praticamente sumiu com a ideia de felicidade futura. Ninguém quer ser feliz lá na frente; todo mundo quer ser feliz aqui e agora. E as pessoas não querem mais ter – elas querem ser e brigam pelo direito de ser o que quiserem; por isso, essa mudança substancial do que se entende como felicidade.
Você é um precursor dos coaches. Hoje, por exemplo, mal comparando, a busca por cursos de Psicologia explodiram. As pessoas andam cada vez mais sozinhas e mais carentes?
É sempre perigoso você rotular ou ficar dentro da caixa do que parece uma solução milagrosa para as pessoas. Eu, de fato, acredito que estamos, nos tempos atuais, cheio de gente, cheio de estímulos, seguidores, conectividade, porém, cada vez mais só nos nossos afetos. Essa abundância de informação, conectividade, pessoas, é uma espécie de embriaguez, quase que um entorpecente, e quem está nesse estado não consegue ser afetado de verdade. Quando você tem uma noite e se excede na bebida, por exemplo, no dia seguinte você não lembra o que aconteceu… Então eu acho que essa solidão nunca foi tão sentida pela humanidade. Porque, quando a gente começa a viver em comparativo, uma utopia de que todo mundo precisa ser bom, belo, justo, incrível, na verdade vai se esvaziando do sentido maior da vida.
Qual a profissão do futuro e como você enxerga esse futuro?
Eu não sei qual é a profissão do futuro, mas sei que, para sobreviverem, as empresas terão que ter, nos seus boards, filósofos, antropólogos, sociólogos, psicólogos, historiadores, porque a gente desaprendeu de pensar. Na minha opinião, essas profissões não estão em alta pelo que oferecem tecnicamente no currículo acadêmico, mas sim porque nelas ainda se exige que precisamos reaprender a pensar!
Você está lançando “O naufrágio dos afetos?”; antes foi “Empreendendo Felicidade”. Qual a conexão entre eles?
O “Empreendendo Felicidade” é uma aventura, quase que biografia: tudo que eu fazia nos palcos, nas palestras… é uma visão. Por incrível que pareça, quando a gente vê o título com a felicidade na palavra, parece autoajuda, mas talvez seja uma visão mais cética, menos romântica, de que a felicidade é estratégica. Pra você ser feliz, precisa empreender porque o mundo de hoje exige de você essa inovação, essa criatividade, no modelo de viver e de encontrar o seu propósito. Depois do “Empreendendo Felicidade”, o livro “LYdereZ”, em 2016, é um olhar atento e otimista para as gerações Y e Z.
Como podemos criar, a partir daí, um modelo de liderança que não é mais muscular, não se utiliza mais da força nem do intelecto, ela é cordial, se utiliza do coração e dos sentimentos. O “LYdereZ” foi finalista do prêmio Jabuti. O “LYdereZ” e o “Empreendendo Felicidade” são livros otimistas, e o “Valor Presente”, o terceiro, lançado na pandemia, fala sobre a pressa, como a pressa nos desumaniza. Qual o valor do tempo? E o “Naufrágio dos Afetos” talvez seja a conclusão desse exercício também de autoconsciência de contemplação, de que, se a gente não resgatar esses afetos que estão perdidos, essa capacidade de afetarmos e de sermos afetados, na nossa lucidez, no nosso estado de felicidade, de equilíbrio não vamos sair do lugar. Vai ter um mundo cada vez mais tecnológico, seremos biônicos daqui a pouco, mas não encontraremos sentido na vida. Um dos capítulos que eu talvez mais tenha gostado de falar é o de que a gente tem tirado Deus do nosso caminho. Eu acho que não tem problema nisso, tem sido difícil se manter adepto a uma religião como um caminho único. As pessoas têm colocado as coisas mais fugazes no lugar de Deus, e aí a gente não chega a lugar nenhum.
A polarização existe em vários setores, mas principalmente na política. Em 2019, você falou a esta coluna que o discurso está velho, não deveríamos falar sobre ditadura, racismo, homofobia etc. Você disse que não votou em Bolsonaro… Mudou algo com o novo governo?
É até com tristeza alguém que tem uma pós formação em Sociologia Política e Cultural dizer que não tem candidato e não se identifica com candidato. Por outro lado, assistir ao fenômeno da polarização não deixa de ser uma espécie de aula aberta sobre o que tem acontecido com a política e principalmente com a nossa capacidade de não nos posicionarmos de forma diferenciada. Eu não votei no Bolsonaro, em nenhuma das duas vezes e também não votei no Lula, mas tenho acompanhado o discurso de ambos.
Se existe no meu país 100 milhões de pessoas com seu voto decidido e se elas estão divididas entre dois candidatos, eu tenho obrigação de acompanhá-los e de entender o que na fala deles gera esse movimento empático, muitas vezes essa idolatria. Assistir a isso com imparcialidade tem sido um exercício interessante pra saber aonde a democracia vai. Fala-se muito de democracia, mas tenho conhecido poucas pessoas de fato que são apaixonadas por ela, a partir do momento que tem sido cada vez mais difícil encontrar alguém que aceite que o outro vote em quem ele não votou. Isso contribui muito para um livro que fala sobre afeto: quantas vezes endossamos um discurso, carregamos uma bandeira, mas não entendemos o significado dela.
Como carioca da gema, o que destacaria como melhor e pior do Rio?
Sem dúvida nenhuma, a alegria carioca é incomparável. Para quem viaja muito, e eu tenho esse privilégio, parece que esse estado de espírito carioca faz com que o cheiro da cidade seja diferente, ele faz com que o sorriso das pessoas seja diferente, ele faz com que o sol que queima na pele pareça diferente. O Rio é esse lugar que traz essa energia e, sem dúvida, é o lugar mais bonito do mundo. Quando você está andando de bicicleta pela ciclovia, vê tanta coisa bonita… Quando você vai para o subúrbio, você vê tanta coisa bonita…. O Rio é um oásis, é um colírio para os olhos. E o pior é um clichê já conhecido, a violência. Essa violência, eu acho que ela existe em todo lugar. Por exemplo, quando eu vou a Nova York, eu me sinto violentado com a buzina, com a impaciência das pessoas. Em Paris, todo mundo segurando sua bolsa, porque, se você deixá-la pendurada num restaurante fechado, tem grande chance de ser assaltado. Mas aqui a violência é uma violência imposta, é uma violência explícita. É alguém que hoje parece que não tem medo de se impor pela força e de tomar o que não lhe é de direito. Acho que isso é o pior. E se a gente tirasse esse item, viveria numa cidade muito próxima à perfeição porque, a partir daí, se consegue resolver quase todos os outros problemas.
O que cada um de nós poderia fazer a favor da cidade?
A gente pode fazer muita coisa, mas eu acho que podíamos nos unir mais. Acho que os pensadores, as pessoas que estão formando opinião se falam pouco! A construção e o exercício da cidadania são muito mal feitos no Rio. Acho que poderíamos nos empoderar muito mais de tudo que achamos belo, legal, bacana, e atuar mais. É muito difícil deixar o mundo melhor para nossos filhos, mas é possível deixar filhos melhores para este mundo. Então, a gente pode fazer a nossa parte, atuar na nossa rua, no nosso bairro, na nossa casa, cuidar das pessoas que estão próximas. Poderíamos estar mais próximo, mais juntos! O Rio precisa de mais representatividade.
Por Dani Barbi