Tem gente que se arrepia de pavor só de ouvir falar em réveillon: caos, trânsito, correria, dúvida de onde passar a virada ou que cor usar. O ano-novo-tudo-novo-de-novo!
No entanto, tem muita gente que prefere um olhar mais interno, digamos assim. Alguns desses já escolheram o “Eleva!”, o réveillon de sete dias — entre 25 de dezembro e 1º de janeiro — do Spa Maria Bonita, em Nova Friburgo, a 136 km do Rio, da eterna “Maria Bonita” Tania Alves, em sociedade com o ex-marido, Tadeu Viscardi, e o filho, Leonardo, há 35 anos sugerindo estilo de vida saudável, terapias alternativas e alimentação equilibrada! “Nossa abordagem será holística. Olhamos para o ser humano de forma integral. Por isso, nossa programação é bem diversificada, para integrar mente-corpo-espírito-emoção. Temos desde ioga, meditação, vivências xamânicas, a hidrocapoeira, ginástica, caminhadas”, diz Tânia, que batizou o lugar com o mesmo do seu papel mais marcante, quando protagonizou “Lampião e Maria Bonita”, em 1982, na TV Globo. No spa, tudo é orgânico, com comida natural para limpar o organismo.
Tania tem feito lives quase diárias com especialistas que estarão no evento, com curadoria da filha, Gabriela Alves, também atriz e cantora que, há mais de 20 anos, se dedica à carreira de terapeuta, mentora da arte do ser e guardiã do sagrado feminino.
Pela primeira vez na história do spa, Tânia vai fazer um show no dia da virada. Para isso, ela preparou um repertório de sucessos da MPB e clássicos internacionais, para todos cantarem juntos, acompanhada de Eugênio Dale no violão.
Pode-se dizer que ninguém vai ficar entediado com a lista quase infinita de atividades que envolvem terapias e vivências lúdicas, energizantes, relaxantes e de autoconhecimento. Têm, por exemplo, “Constelação Familiar”, “Sound Healing”, também conhecida como terapia vibracional, “Arteterapia”, que usa a arte como expressão, “Alinhamento dos Chakras”, com som do maracá e do tambor, “Temaszcal”, a tenda do suor, um dos rituais nativos de purificação mais antigo da humanidade, além de uma variedade de terapias ancestrais, nativas e quânticas, que vão desde a Medicina Chinesa e a Medicina Ayurvédica à Medicina Quântica etc.
No mais, Tania, 73 anos, está em plena forma física — “confio no meu preparo físico, tem muita gente me assessorando, terapeutas, médicos, e minha própria rotina e hábitos” —, emocional (é casada há 15 anos com o DJ Daniel Rodrigues, seu quinto marido) e profissional (completou 50 anos de carreira em 2022 com vários projetos). Está no elenco das minisséries “Olhar indiscreto”, da Netflix, que estreia em 2023, e “Tudo de bom”, de Ajax Camacho, também para o próximo ano, e também está no longa “Senhoritas”, de Mikaela Plotkin, com Analu Prestes.
Como você consegue administrar tantas funções?
Vou interagindo conforme os compromissos. Meus dias são módulos e, às vezes, são módulos de caos. As pessoas me perguntam o que eu prefiro fazer, mas gosto do que estou fazendo no momento. Como tenho ramos de profissão, é uma loucura! Sou atriz, cantora, empresária, dona de um hotel que é um spa e de um outro, que tem um restaurante, mãe, mulher e avó (do Bernardo, de 2 anos). E tem este réveillon no spa, que vai ser tipo uma Disney holística. Porque eu e Gabriela somos duas loucas obsessivas. Falo brincando, mas com um fundo de verdade, porque o spa só existe porque eu sou uma pessoa obsessiva, porque parti do zero, sem grana, eu e meu sócio (Tadeu Viscardi, um dos quatro ex-maridos), outro visionário, e deu nisso.
Como está seu dia a dia?
Estou numa brecha artística. A última coisa que fiz do gênero foi um show há duas semanas, em Juazeiro do Norte, na terra do Padre Cícero. Foi muito louco, uma coisa épica, de uma energia maravilhosa. Eu tenho um laço cármico com Maria Bonita que é uma loucura e agradeço sempre por isso ter acontecido comigo (sobre a minissérie “Lampião e Maria Bonita”, que protagonizou com Nelson Xavier, 1941-2017). Sou amiga da família, da Verinha Ferreira, da Expedita (Ferreira Nunes), neta e filha de Maria Bonita e Lampião. Temos uma relação muito forte e mágica. A minissérie mudou tanto a minha vida que eu até batizei o meu negócio de Spa Maria Bonita. Antes da pandemia, eu estava só cantando e, de lá pra cá, fiz três séries e quatro filmes. Antes do show em Juazeiro, fiz quatro apresentações do monólogo “Criogenia de D. — Ou manifesto pelos amores perdidos” (adaptação do livro homônimo de Leonardo Valente), pela Secretaria de Cultura de Niterói, e agora estamos aguardando as leis todas acontecerem pra fazer temporadas no Rio, SP, e a carreira clássica de teatro.
Mas como surgiu essa ideia?
Eu fiz a adaptação do livro, que, em menos de um ano, estava com vários prêmios, sendo publicado em vários países. E aí foi muito louco, mas todos somos loucos. Eu fiz faculdade de Letras e fiquei passada quando li, porque é tão sofisticado, erudito, profundo, filosófico… E é uma estilística muito louca, porque não tem maiúsculas nem parágrafos. Como fazer teatro disso? Comecei a adaptar, colocando os parágrafos e maiúsculas, e deu-se o milagre: uma hora de monólogo com uma personagem sem gênero, que às vezes fala no feminino, outras, no masculino, mas que passa a peça inteira tentando se vingar dos quatro ex-maridos e se livrar do 5º – eu estou no quinto casamento (risos). E eu mesma faço a minha contrarregragem, então é atletismo mesmo, empurro caixa, pulo, atuo…
E o réveillon no spa no meio disso tudo?
Nesse tempo, nos reunimos eu, meu filho, Leonardo, e o Tadeu – eles são os adultos dessa sociedade, porque eu não nasci pra ser adulta – não sei preço nem de um cafezinho, sou aquela artista clássica totalmente lesada nas coisas práticas. Então eles tiveram a ideia de um réveillon diferente, como nos outros anos, e pensaram num show meu. Falei com Eugênio (violonista), fizemos um ensaio aberto durante a quarentena e agora vamos adaptar, para mostrar no réveillon, só com músicas brasileiras que todo mundo conhece, pra cantar junto e celebrar junto. E, paralelamente, chamei a Gabi pra gente fazer uma semana mágica, porque tem gente que diz loucuras sobre o spa – uma senhora perguntou se lá era Nárnia (mundo fantástico criado pelo escritor irlandês Clive Staples Lewis) e teve uma estada inesquecível. Realmente, a nossa proposta sempre foi ajudar as pessoas a melhorarem a qualidade de vida, sempre baseados no amor. Essa é nossa linha mestra e, a partir daí, fomos atraindo colaboradores incríveis e, ouso dizer, são os melhores terapeutas do mundo.
Como você escolhe a equipe?
Eu viajo o mundo, experimento, sou cobaia, adoro e tem de tudo: desde uma piscina quente para fazer water pilates (pilates dentro da água), massagem, mais de 30 variedades. Então, as terapias são o ponto alto. As pessoas adoram, sem falar comida, porque ninguém passa fome, nem quem está fazendo programa de emagrecimento e desintoxicação. A gente tem que ser feliz, quer se divertir, então sempre trabalhei um cardápio que juntasse o gourmet e o saudável.
O que vai ter? Já passou por todos os processos do spa?
O “Eleva” é pra elevar as energias. A Gabriela vai fazer a parte holística. Ela conhece muita gente, e eu já tenho profissionais fantásticos. Vai ter nutricionista, palestra sobre alimentação, um grupo eclético, fogueira nativa, enfim, muita coisa. Eu mesma não tenho tempo de fazer nada e sempre brinco que um dia ainda vou fazer esse spa, que deve ser maravilhoso! Trabalho feito louca quando vou pra lá, basicamente no controle de qualidade. Cuido da parte da recepção, crio os rituais, chego mais cedo, vejo os espaços, não só de acomodação, mas tudo. A tenda do suor fui eu que criei quando tive um chamado muito forte. Faço também uma massagem com um indiano formado na Medicina Ayurvédica. Ele é do jeito que eu gosto, tem pegada forte, drenagem linfática, que as mulheres adoram, mas me dá aflição coisinha leve demais. Quando eu tenho tempo, faço o watsu, um shiatsu dentro da água quente – você fica no colo do terapeuta e ele vai te alongando dentro da água e apertando nos pontos certos. Tem gente que chora, gente que dorme, eu gosto de terapias assim.
Pra qual público é o evento?
Tem gente que não quer o frege de festas ou os fogos de Copacabana – prefere algo mais leve. A pessoa, se quiser, pode sair de lá com uma transformação profunda, não só aquela diversão momentânea de uma festa. Não estou falando mal do réveillon de Copa, tá? Eu adoro também, mas tem gente que não quer isso, quer ficar na tranquilidade, mas com muita diversão. Na virada, tem show, DJ, tem o tradicional “Festival de Frutas”, um bufê com cascata de chocolate, espetinho grelhado de frutas, brigadeiro de colher e outras delícias, além do champagne.
Do jeito que o mundo está, qual a solução?
A única saída é o caminho do amor. Mas o ser humano já foi muito pior, com o sequestro dos africanos durante o período colonial, a escravidão, a dizimação (punições aplicadas no exército romano), genocídio, estupros, ocupação dos conquistadores, o Apartheid, o Nazismo, vai pensando… Já foi muito pior, só que agora a gente sabe de tudo. Está tudo na Internet, mas, mesmo antes disso, eu tive uma numeróloga que dizia “vamos entrar numa era chamada o cair das máscaras”. Agora, não tem outra saída se não for pelo amor — parece uma coisa batida, lugar comum, mas não tem outra saída.
Como você se define?
Sou uma livre pensadora, não tenho ideologia. Não sou da idolatria porque acho perigosíssimo, não tenho seita, nem religião, nem partido político, nem guru, nem nada. A minha única bandeira é “amai-vos uns aos outros”. Isso foi dito por Jesus Cristo; já fui muito católica, mas a Inquisição foi um dos maiores crimes do século. Posso admirar igrejas pela arquitetura, mas pra mim todas as sete maravilhas do mundo foram feitas à base de escravidão. Então, minha parada é o contato com a natureza – nós somos parte dela, essa noção de conectividade, que é a própria divindade que perpassa todos nós.
Você passa muita energia… É hiperativa?
Não, por incrível que pareça, eu sou muito preguiçosa. Tudo que realizei na vida, 50 anos de carreira artística, fora os negócios, tudo isso faço com uma preguiça enorme, de descendente de baianos. Minha movimentação é sempre uma ação funcional em direção a alguma meta, mas eu adoro ficar na cama (é meu lugar favorito do universo) ou à beira da praia, sem fazer nada. Quer me ver feliz, é me colocar pra fazer nada na beira do mar. Mas eu tenho vários dons, e dons são responsabilidades. E as pessoas nascem com aquilo, dizendo “sua missão será essa”; cada um tem a sua maneira de contribuir para um mundo melhor de alguma forma.
Você pagou caro por ser uma mulher — como dizer? — à frente do tempo?
Não, menina, eu fui virgem até 21/22 anos! Era a única virgem da faculdade. Só agora é que me sinto sincronizada com o tempo atual. Claro, por dentro, já tinha uma chama, que foi liberada nos anos 70, com a abertura total, a revolução toda. Eu me descobri, entrei para o teatro, e daí não sobrou pedra sobre pedra.
Você se considera uma pessoa evoluída?
Aprendi a ler com 4 anos; aos 7, li Ernest Hemingway; aos 12, já tinha lido Eça de Queiroz inteiro. Meu pai me dava livros para compensar a prisão em casa, porque tive um pai machista, autoritário, e vivi o tabu da virgindade. Não podia ter amigos ou namorados, então eu lia. Lia e cantava, tocava, era cantora lírica solista, até que me casei com o pai da Gabriela (Juan Toulier, morto em 2006), que era 20 anos mais velho. Daí ficou mais ou menos a mesma relação de mulher submissa, até que me descobri independente de um contexto familiar no ioga, porque me formei como instrutora de ioga na primeira turma do mestre DeRose. O casamento já estava mais ou menos, entrei no teatro e, daí, ferrou. Nos anos 70, vivi tudo que não vivi na adolescência – corri todos os riscos. É assim que se aprende: na porrada. Eu era dura, morei em teatro, não tinha dinheiro nem pra comer. Tenho muita coisa pra contar.
numero:13 Em entrevista, você disse que é uma sobrevivente…
Nossa! Poderia estar morta, porque bebi e me droguei tanto, menos as injetáveis. Não sei como não morri – impressionante! Mas vivi tudo que todo mundo viveu naquela época. Agora, tudo isso é aprendizado; você vai se desconstruindo e vem o teatro, todo o contato com os gênios. Graças a Deus, tive oportunidade de fazer trabalhos incríveis com diretores, autores, com Nelson Xavier (só aquilo já foi uma pós-graduação) e continuo cercada de gênios, de pessoas incríveis com inquietação artística. E, ainda, o trabalho que estou fazendo com a Gabriela no spa é incrível porque ela também é artista, temos essa noção do ritual. Ela tem essa busca espiritual até mais forte que eu porque eu ainda gosto de algumas coisas mundanas; ela, não, está noutro caminho, é quase iluminada.
O que mantém de mundano?
Sempre fugi de rótulos. Ser um líder espiritual é uma responsa que você tem que abrir mão de muitas coisas que eu não estou a fim. O que quero dizer é que eu compartilho com as pessoas experiências maravilhosas que vão acrescentar na vida delas. Nasci para fazer as pessoas felizes, eu tenho essa certeza. Mas não posso fazer isso abrindo mão da minha felicidade, da liberdade. É muita responsabilidade ter pessoas dependentes de mim; por exemplo, eu poderia aproveitar toda essa mística que existe no spa e fazer um personagem, me vestir com túnicas, tipo guruas de Hollywood – fiz uma regressão em Santa Fé, na Califórnia, e era assim com todo um vestuário, uma maneira de falar… Eu sou muito índia, muito livre e, se adotasse essa postura, perderia minha liberdade, me tornaria refém. Então, essas coisas “mundanas” são ainda as coisas que não são espirituais demais. Não consigo me colocar em nenhuma casinha, não tenho rótulos, sou “fluida” (risos). Descobri essa palavra e adorei – sou “fluida”, pronto, com infinitas possibilidades.
Por Dani Barbi