Levou um bom tempo para eu entender a diferença entre ficção e realidade (se é que há mesmo alguma).
O primeiro choque foi descobrir, ali pelos sete anos de idade, que Janette Legrand se chamava, na verdade, Yoná Magalhães. Que o Sheik Omar Ben Nazir não era sheik de Agadir coisíssima nenhuma, e atendia por Henrique Martins nas horas vagas. Que Madelon não passava de Leila Diniz e Eden, a filha do califa de Bassora, era casada com Chico Buarque e, quando não estava estrangulando o elenco, respondia pelo nome de Marieta.
(Soube, mais tarde, que o deserto do Saara ficava em Cabo Frio — ou seja, não dava para acreditar em mais nada.)
Aí suspendi a minha suspensão da descrença. E passei a botar reparo nas fraudes que via na televisão.
Em “Perdidos no Espaço”, os Robinson e seus agregados quicavam de planeta em planeta, procurando um novo lar, uma vez que, em 1997 — que é o “futuro” em que se passa a série —, a Terra já estaria inabitável. Todos os exoplanetas onde pousavam tinham (sem exceção!) atmosfera idêntica à nossa, água potável, a mesma gravidade e não havia alienígena que não falasse fluentemente o português (eu ainda não sabia o que era dublagem).
Qualquer família normal teria posto o dr. Smith para correr na primeira presepada que ele aprontasse. Mas não: o fura-olho continuava a bordo, fazendo bullying com o robô (“sucata”, “paspalho”, “lata de sardinha enferrujada”) e sabotando a missão episódio após episódio.
Jude e o major Don West já tinham dado match; Maureen e o professor Robinson estavam com a vida ganha; mas Penny, a menos que se engraçasse com o cunhado, ia ficar para titia, e Will estava fadado a ser celibatário. Era urgente, pelo menos para esses dois, defenestrar dr. Smith e encontrar um planeta sem monstros — e com algum humanoide para chamar de seu.
Já Jeannie podia ser um gênio, mas os roteiristas… nem tanto.
A moça passara milênios numa garrafa, até ser descoberta por um astronauta meio sonso. Uma garrafa com almofadas aparentemente confortáveis — mas como dormir ali, por milênios, e não ferrar a coluna? E como sobreviver — senão por mágica — sem trocar de roupa, sem cozinha ou banheiro? E sem se intoxicar com gás carbônico, já que estava presa numa garrafa hermeticamente fechada?
Ok, se ela estava viva há milênios e ainda mantinha aquela forma física invejável, tudo era possível.
Mas por que diabos ficara presa na garrafa se podia se teletransportar via fumaça de um lado para outro? Conseguia sumir na sala da casa do Major Nelson (seu “amo”) e aparecer no quarto (não, acho que não tinha quarto no cenário), mas não era capaz fazer o mesmo truque de dentro para fora da garrafa…
Gênias e feiticeiras, por mais espertas que fossem, sempre se envolviam com sujeitos sonsos. Qualquer homem ficaria feliz em ter uma companheira que, com um piscar de olhos (ou um cruzar de braços, uma rebolada de nariz) resolvesse o problema que fosse – de pneu furado a louça suja, de disfunção erétil a uma Ferrari conversível. Qualquer homem — menos o Major Nelson e o sr. Stephens.
Por que não usavam seus poderes para se livrar da sra. Kravitz ou da mulher do dr. Bellows? Com certeza Jeannie seria muito mais feliz com o Major Realey, numa praia do Caribe, e Samantha, gerenciando uma franquia de Hogwarts, com seu tio Arthur.
No “Túnel do Tempo”, Tony e Doug conseguiam a proeza de escapar do porão do Titanic para cair em Pompéia às vésperas da erupção o Vesúvio, e daí para um explosivo lançamento de foguete em Cabo Canaveral, de onde escapuliam no último minuto — apenas para se dar conta de que tinham ido parar em Pearl Harbor, no sopé do Krakatoa ou no meio da Revolução Francesa.
Ninguém me tira da cabeça que a equipe que ficava na boca do túnel estivesse mesmo era de sacanagem com eles, brincando de videogame.
Fosse eu Irwin Allen ou Sidney Sheldon, mandava Samantha resgatar Tony e Doug de algum cataclismo do passado (ela ficaria com o Tony e apresentaria o Doug à Penny); despachava a sra. Bellows e o dr. Smith para o fundo do mar (a bordo do Seaview — que eu achava que era Civil — onde eles cortar um dobrado com o Kowalski); trancava o paspalho do Major Nelson com a Endora na garrafa; e fazia o Will Robinson (meu alterego) seguir viagem a bordo do Júpiter 2 com o robô e a Jeannie. De preferência tendo Yoná Magalhães — ops, Janette Legrand — e o sheik de Agadir a bordo, como convidados.
Gloria Magadan que se virasse com as dunas de Cabo Frio e o restante do elenco.