O nome Caio Bucker geralmente está nas fichas técnicas de espetáculos de teatro e shows. Nos últimos anos, porém, tem se destacado na cena cultural carioca para além dos créditos. Entre setembro e novembro, por exemplo, Caio ganhou dois prêmios, o “Atitude Carioca” — na categoria “A cara do Rio”, da Câmara de Comércio e Indústria do Estado do Rio (Caerj), que aconteceu no Theatro Municpal em setembro — e a medalha da Ordem do Mérito Cultural Carioca, a mais alta premiação cultural do município, na última semana, em cerimônia no Museu de Arte do Rio (MAR).
Caio é o típico carioca da gema, nascido na Tijuca, 32 anos; aos 8, já tocava violão; aos 12, começou a trabalhar como ator; aos 15 anos, DJ. Mas deu tempo pra estudar: ele é formado em Comunicação Social e Cinema pela PUC-RJ, com especialização em Arte e Filosofia, também pela PUC, e mestrado em Filosofia da Arte (UERJ).
No meio de tudo, Caio criou a Bucker Produções Artísticas, virou curador de programação do Teatro XP, na Gávea, e também sócio do La Fiorentina, no Leme, evitando que um ícone da cidade, com 65 anos de história, fechasse para sempre. Talvez por ter tirado o espaço do triste fim, o nome de Bucker tenha ficado mais conhecido.
Pela sua produtora, montou os espetáculos “Ícaro and The Black Stars”, com Ícaro Silva; “Parem de Falar Mal da Rotina”, com Elisa Lucinda; “TsuNany”, com Nany People; “Mulheres que Nascem com os filhos”, com Samara Felippo e Carolinie Figueiredo; “O Julgamento de Sócrates”, com Tonico Pereira. É também autor do livro “Filosofando no Banheiro”, com os pensamentos de Tonico; e o recente “O Âncora”, com Alex Nader.
Como surgiu seu lado artístico?
Meus pais sempre me levavam a eventos culturais. Eu achava o máximo, sempre queria estar no palco, refazia tudo que eu assistia em casa e achava a coxia uma coisa mágica – queria saber como aquilo funcionava. Aos 12 anos, comecei a fazer cursos de teatro e fui seguindo meus desejos. O trabalho de ator foi meu grande amadurecimento como artista porque comecei a ver o mundo de uma forma livre, e isso foi incrível.
Como foi, tão novo, já ter recebido dois reconhecimentos?
Eu sou um guerreiro da arte; não sei fazer outra coisa e nem quero. Comecei a me envolver com arte com 12 anos como ator – fazia circo. Acredito que a medalha da Ordem foi escolhida pela Secretaria de Cultura pelo trabalho que fiz durante a pandemia, inclusive foi naquele lugar que a cultura parou, mas continuei fazendo. Criei um projeto novo, fiz as coisas acontecerem e, logo depois, ainda no momento pandêmico, eu reabri o La Fiorentina. Mas na realidade eu nunca parei de trabalhar. Aprendi isso com Tonico (Pereira), que eu trabalho mesmo por sobrevivência. Às vezes, quando dá tempo, eu durmo. Acho que meu nome começou a aparecer por causa das coisas relevantes e marcantes que aconteceram além dos trabalhos da minha produtora, porque todo mundo sempre me conheceu como produtor, pelos projetos que fiz, mas destaco o La Fiorentina e o XP.
Como foi a história da sociedade no restaurante?
O La Fiorentina estava fechado, foi à leilão e o dono, Catito Peres, pensou em entregar. Eu amo aquele lugar, que frequento desde os 15 anos. No processo de virar ator, fui com a Jacqueline Laurence, João Camargo e Nildo Parente, quando eles faziam uma peça chamada “As eruditas”, no Villa Lobos. Quando entrei, vi um mundo ali, um lugar de encontros, e comecei a frequentar pelas parcerias culturais do restaurante com os teatros. Em 2021, o dono me procurou, explicou a situação e eu fiz o movimento de reabertura e tombamento porque o lugar tem uma história de 65 anos. Fiz um abaixo-assinado com a classe (Amir Haddad, Cissa Guimarães, Paolla Oliveira, Tonico Pereira, Zezé Polessa etc.), uma petição pública para os moradores de Copacabana e Leme, e mandamos ao prefeito Eduardo Paes e para a vereadora Mônica Benicio, que criou um projeto de lei de tombamento. Este ano, viramos patrimônio cultural. Com esse movimento todo, fiquei ainda mais interessado em estar ali, trabalhar ali, fazer a coisa acontecer, promover encontros; então entrei para o time de sócios.
Tem planos para o restaurante?
Como as paredes já estão lotadas, estamos pensando em pegar um espaço grande que tem espelhos, perto do quadro da Fernanda Montenegro, nossa grande rainha, para colocar mais retratos. E temos continuado com as assinaturas, eventos de lançamentos de livros, confraternizações… Como ali é um lugar de histórias, tenho vontade de fazer a parte 2 do livro “As noites da Fiorentina” (Fritz Utzeri), um documentário com o Ivan Mendes (ator e roteirista), e já começamos a pensar. Quero pegar muito a sensação de quando as pessoas souberam que ia fechar, porque foi uma comoção. Então vamos fazer um filme sobre isso.
E o XP?
Eu produzo várias peças lá, desde 2018. Veio a pandemia, o teatro ficou um tempo sem pauta, daí eles me chamaram (os sócios Luiz Guilherme Niemeyer, André Toros e João Guilherme Magalhães), e assumi a curadoria em junho. Digo que agosto foi meu mês oficial, quando tivemos a Fernanda Montenegro e o Tonico Pereira dividindo a pauta, impressos na fachada do teatro… Foi emocionante! Eu, como curador, como tudo que já fiz, qualidade é o principal. O resto vai acontecendo.
Você costuma dizer “o que é fácil não é foda”…
Digo mesmo (rsrsrs). Como eu estudo Filosofia, vou sempre refletir muito o fazer porque, quando chega no resultado final, acaba, né? O legal é viver aquilo, ter aquele gostinho da ansiedade, de estruturar, passar dificuldade, mas isso tudo faz parte, até para dar emoção, e sou movido a isso. Acordo feliz porque sei que terei um dia de trabalho difícil e levo isso para buscar a solução, e não como um problema, porque problemas vão existir.
Como você acha que está o Rio culturalmente?
Sem puxar sardinha para os secretários de cultura (Marcus Faustini, municipal, e Daniele Barros, estadual), acho que o trabalho deles é muito legal, tanto de criar editais e fomentos e facilitar as leis municipal e estadual, inclusive o que foi feito na pandemia, como a lei Aldir Blanc, o FOCA (Programa de Fomento Carioca) etc. São todos os lados juntos, governo, prefeituras e empresas; na Fiorentina, eu me comprometi a continuar apoiando pelo menos 15 espetáculos por mês, com alimentação, mas, se cada empresa fizer a sua parte, conseguiremos fazer num todo. O maior desafio ainda é o público, porque ele tem que ir ao teatro, valorizar os artistas. Durante a pandemia, o que salvou todo mundo foi a cultura (séries, livros, música…). Agora está na hora de retribuir: comprar um livro de autor nacional, assistir a um show de um artista nacional nos palcos tradicionais para mantê-los vivos, como Circo Voador e Fundição Progresso.
Qual será a tendência de eventos no Rio?
A retomada está acontecendo, mas em lugares do entretenimento, que têm comida e bebida. Quando tudo foi liberado na pandemia, as salas de cinema e teatro estavam vazias, mas bares e restaurantes, lotados. Então acho que tem que existir uma nova forma de pensar culturalmente os encontros, como um teatro que ofereça uma área de festa, comida e bebida, um restaurante que tenha um sarau, uma mistura de artes. Fusão multicultural é uma grande sacada no momento. Shows e espaços para gastronomia vão sempre ter mais público porque você consegue unir várias coisas, diferentes estilos musicais, restaurantes, bares, bebida, noite, beijos, abraços e suor. Isso é o que a maioria da população procura. Agora vem uma tendência ainda maior que a pandemia começou a cutucar, que é o multimídia, a transmissão do ao vivo online, ter coisas que sejam híbridas, a entrada do audiovisual no presencial já vinha começando antes da pandemia, e isso aumentou por necessidade. Agora a tendência é misturar tudo cada vez mais.
Quais seus próximos projetos?
Estreia em janeiro a peça “A hora do boi”, no Poeirinha, em Botafogo; faço uma temporada experimental de “O Âncora”, que volta em março e viajo ainda este mês para Natal com “Mulheres que nascem com os filhos”. Também administro a carreira do Zéu Britto – acabamos de lançar o álbum “Sem concerto”, e estou esperando o Zéu terminar as gravações de “Cine Hollywood”, em dezembro, para podermos fazer a turnê do show, e tem a minha vida acadêmica: estou terminando o doutorado. Também criei o curso “O artista gestor”, para escritores, autores, cantores e diretores que queiram idealizar e realizar seus projetos. O artista tem ideias incríveis, mas não sabe como fazer para realizar.
Acredita que a cultura será valorizada no novo governo?
Acho que as coisas vão ser respeitadas; só de ter respeito, já estamos no lucro. Espero que tenham projetos, fomentos e viabilizem e acreditem que arte é uma forma de educação, porque cultura é a educação de um povo, da arte de um grupo, de um lugar. O dia em que perceberem isso, tudo vai ser diferente e, em vez de banalizar, veremos os artistas como grandes educadores.
Por Dani Barbi