Shakespeare é o mais cultuado autor ocidental. Inventou o que chamamos de Literatura. Pela primeira vez, suas histórias não falam de deuses, heróis, reis, figuras míticas. O que está em cena são os sentimentos e conflitos da humanidade, formados a partir de inveja, ambição, ciúme, paixões proibidas, vingança. Presentes na comédia e na tragédia, os personagens se esforçam para sobreviver, o que acaba por ser raro.
O grupo Há um Motivo, em espetáculo dirigido por Daniel Herz, se impõe uma tarefa hercúlea, original e interessante, que se torna muito bem-sucedida. Resolvem montar um espetáculo em que seis dos mais significativos personagens de Shakespeare se encontram, dialogam e se relacionam a partir de falas originais recolocadas em um outro contexto.
Em uma peça que poderia parecer totalmente nonsense, o que se vê são seis jovens representando seu personagem exatamente como é, guardando as suas características, mas criando um novo sentido que reforça as intenções do autor. A concepção da exaustiva pesquisa redunda no roteiro dramatúrgico de Nicole Musafir, integrante do grupo, juntamente com Bernardo Pupe, Clara Nery-Brandão, Maria Paula Marini e Pedro Torquilho. O elenco conta ainda com Bob Neri como ator convidado.
Os escolhidos são: Catarina (Nicole Musafir), de “A megera domada”; Hamlet (Bernardo Pupe), da tragédia de mesmo nome; Lady Macbeth (Clara Nery-Brandão), de “Macbeth”; Julieta (Maria Paula Marini), de “Romeu e Julieta”, e Ricardo III (Pedro Torquilho), do drama homônimo. Outro papel escolhido foi o do rei Lear, confiado a Bob Neri, especialmente convidado para a montagem.
Com figurinos interessantes, atemporais, ainda que tragam a memória do tempo em que as ações se passam, todos os atores interpretam, sem nenhum exagero, a força dos personagens emblemáticos, com uma movimentação que lembra um jogo onde as peças vão se sucedendo de forma contínua. A direção de Daniel Herz traz coerência, continuidade e unidade em um texto que desafia a interpretação, na medida em que o diálogo se dá com um outro personagem, não pertencente à história original.
A capacidade de Nicole é extraordinária ao conseguir remontar um texto em que a história original está lá; ao mesmo tempo, o que se vê é um novo espetáculo. O elenco jovem não titubeia em incorporar personagens que receberam os maiores atores do mundo. Tratam tudo com eficiência, empenho e originalidade, como merece um bom espetáculo.
Serviço:
Teatro Gláucio Gill (Praça Cardeal Arcoverde, s/n)
De sexta a domingo, às 20 h