No início dos anos 1980, foi a festa de 40 anos do jornalista Carlos Leonan, na Lagoa, numa daquelas boates da época. Encontrei o Jô e lhe disse: “Se você me convidar para fazer uma peça, eu topo!” Tinha recém-filmado “República dos Assassinos”, estudava teatro no Tablado. Na mesma hora, ele disse: “Amanhã eu te ligo.” No dia seguinte, ele estava me convidando para jantar, para fazer a peça que eu quisesse. Eu quis uma coisa política, e isso o deixou muito encantado, que foi o “Brasil da Censura à Abertura”, sobre o final da ditadura, etc. E ele ficou muito impressionado que eu não fizesse uma comédia ou qualquer coisa assim.
Foi ele quem me cercou de grandes atores. Essa peça fez muito sucesso, e nós nos apaixonamos. Convivemos durante quase três anos, sempre com muito humor. Jô foi uma eterna estrela em todos os lugares onde passava, afinal ele era um gênio. Ele foi tudo pra mim naquela época. Faz muito tempo que fomos casados, mas ele ficou extremamente marcado em minha vida – pelo humor, inteligência, generosidade…
Eu aprendi muito. Tem até uma cena muito engraçada que eu sempre conto: quando ele estava me dirigindo nessa peça “Brasil da Censura à Abertura”, com Marília Pêra, Marco Nanini e Geraldo Alves, e fazíamos a cena das “exiletes”, eu e Marília, voltando ao Brasil, assim como o Fernando Gabeira, que usava aquela tanga engraçada (a sunga de crochê lilás, que foi assunto do verão de 1980, o primeiro da abertura depois da anistia política) e nós, de biquíni, todos magérrimos e lindos — há mais de 30 anos, estávamos mesmo magérrimos e lindos. Marília dizendo que tinha um buraco entre as pernas, de tão magra; eu dizendo que tinha um pouco de celulite, todos reclamando de algo. Daí, o Jô chega, dá um rodopio no meio do palco e diz: “Eu sou lindo, eu me adoro!” Ou seja, hoje em dia, existe essa gordofobia elevada à enésima potência; as pessoas estão se assumindo aos poucos, mas ele já fazia isso há muito tempo. E tinham aqueles negões maravilhosos que usavam brincos nas boates naquela década — eu adorava. Então, ele furou a orelha por minha causa; tenho o maior orgulho disso.
Ele tinha um humor fino, apurado, a ponto de, quando se sentia agredido por alguém que queria fazer uma gracinha, de forma brilhante, ele respondia dando o troco, mas deixando o interlocutor rindo. Sem fazer grosseria, ele conseguia arrasar a pessoa sem que ela pudesse rebater, e ele acabava tornando aquilo engraçado.
Rapidez de raciocínio era uma das suas principais qualidades, a forma como ele encarava o mundo…Ele era um workaholic, estava sempre fazendo alguma coisa. E nos divertíamos com muito que tínhamos em comum: ele era poliglota, eu também — sem nenhum mérito, porque sou filha de diplomata, mas tem sempre alguém achando que a pessoa é esnobe porque fala vários idiomas —, e o Jô era um puta de um poliglota. Então, a gente se divertia com as palavras, a origem das coisas, todos os assuntos se tornavam fascinantes, com afinidades no cinema, na literatura. Tudo isso era muito rico nele. Em qualquer circunstância, ele era a estrela porque chamava atenção por tudo que sempre foi. Tem outro momento, esse muito engraçado, quando eu lhe disse que um dia iria enganá-lo toda vestida de homem. Ele disse: “Isso não vai acontecer nunca!” Ele estava voltando da ponte aérea de São Paulo, esperando uma bela mulher, que não chegava. Então ele se dirigiu para um orelhão. Nesse momento, eu bati nas costas dele e disse com a voz grossa: “Seu Jô, você quer uma carona?” Ele olhou para mim e disse: “Não, querido, eu tô esperando minha mulher.” Eu caí na gargalhada, e aí ele me reconheceu! Eu era uma pessoa totalmente esdrúxula como homem, né?
Essas lembranças me fazem sorrir, mas hoje minha vontade é chorar.
A atriz Sylvia Bandeira conheceu Jô Soares no começo da década de 80, antes de ela completar 25 anos, e com ele viveu uma grande história de amor.