“Pai é quem cuida”. Eu, pai de pet, tendo a concordar. Sou mais pai que aqueles cachorros inconsequentes que nem sabem que têm filhos e sequer reconheceriam Tião e Duda se os encontrassem na rua.
Mas o pai da aviação continua sendo Santos Dumont, não Boeing, Airbus, Lockheed — que cuidaram, investiram e fizeram aquela saltitante criaturinha de bambu e seda se transformar nesses galalaus de alumínio — com péssimo serviço de bordo, diga-se de passagem.
Por outro lado, quem criou a mentira foi Deus (criador de todas as coisas, certo?), mas o crédito fica com quem a aprimorou e elevou ao status de arte: o Capeta, detentor — com todos os méritos — da alcunha de Pai da Mentira.
O dicionário é o Pai dos Burros — um caso clássico de abandono parental. Estivesse presente desde o início da alfabetização, aberto ao diálogo e com um vocabulário mais acessível, não haveria tanta gente confundindo “eminente” com “iminente”, sem saber como se escreve “exceção” e usando “top” e “show” para dizer o que achou do filme do Tom Cruise, do bufê do casamento da prima, da transa de quinta, das propostas do Eymael ou da laive do Caetano.
Getúlio Vargas foi o Pai dos Pobres (Brizola, o cunhado). Freud, o Pai da Psicanálise (Lacan era o tio esquisitão). Alan Turing, o Pai da Computação. Gregor Mendel, o Pai da Genética. Heródoto, o Pai da História. Hipócrates, o Pai da Medicina. E Steve Martin, o Pai da Noiva.
Dos dedos, o pai de todos é o mais valente. Enquanto o mindinho aposta, o indicador aponta e o polegar diz que está tudo joia (o anelar, que só serve para colocar aliança, não conta), é ele que se levanta para desafiar, provocar e mandar para aquele lugar.
Pai é uma espécie de mãe que não faz: recebe feito. Um avô que não pode se dar ao luxo de deseducar. Um tio que não apenas pega no colo e faz bilu bilu, mas tem que aguentar a choradeira de noite. O irmão bem mais velho de um temporão, e a quem cabe pagar as contas.
Pai é o exemplo e o antimodelo. Cronos / Saturno devorava os próprios filhos, porque o oráculo havia dito que um deles lhe roubaria o trono. Zeus /Júpiter, o caçula, escapou de ser degustado, deu um golpe de estado e a profecia se cumpriu. Houvesse vasectomia no Olimpo, os planetas ainda estariam pagãos (já que não existiriam os filhos de Saturno – Júpiter, Netuno e Plutão -, muito menos seus netos, Marte, Mercúrio, Vênus). Mas, como não faltam deuses em outras mitologias, talvez Zora Yonara nos tivesse feito acreditar que tínhamos lua em Quetzalcóatl, Anúbis na segunda casa, Thor em conjunção com Shiva, e Tupã retrógrado.
Um que jamais comemoraria o Dia dos Pais é Édipo. Outro que até poderia comemorar, mas dando de presente, no máximo, um par de meias ou uma loção pós-barba, é Isaque — por mais que Abraão garantisse que não estava “ouvindo vozes”, mas cumprindo ordens superiores. Nada que alguns anos de análise ou uma ida ao pai de santo não resolvesse.
Se eu quiser que este texto seja postado ainda hoje, segundo domingo de agosto, tenho que correr, como se fosse tirar o pai da forca. Filho feio não tem pai, mas deste aqui não dá pra negar que eu seja — para o bem e para o mal — o pai da criança.
E do Tião e da Duda que são — modéstia à parte — a cara do pai.