Em razão desse meu livro, às vezes me perguntam por que eu, um delegado da PF, com tanto trabalho e tantas atribuições, resolveu enveredar por atividades de proteção a animais e plantas, enfim, à natureza, idealizando e criando a divisão de repressão aos crimes ambientais na Polícia Federal.
A resposta está lá atrás, como tudo em nossa vida, que origina (e explica) nossos medos, paixões e obsessões: a infância.
Minha fixação por animais selvagens e pela natureza se deve muito aos primeiros anos de minha vida e, em particular, à figura querida e inesquecível de meu avô Osmar.
A casa de meus avós maternos ficava no alto de uma ladeira no bairro de Botafogo, na Zona Sul do Rio. O quintal fazia divisa com as franjas do Corcovado, montanha cujas encostas são abrangidas pelo Parque Nacional da Tijuca, uma pequena amostra da luxuriante — e minguante — Mata Atlântica.
Passava ali parte considerável de meu tempo, sozinho, com meu avô, me balançando numa rede sob as árvores do pequeno quintal da casa, ouvindo histórias de onças — e outros bichos — que ele vira quando de sua participação na Revolução de 1930, nos estados de Goiás e Mato Grosso.
Muitas vezes, pequenos animais da Mata Atlântica apareciam, ou caíam, no terreno que circundava a casa. Eram lagartos, sapos, cobras, pererecas, gambás, cuícas, micos e até preguiças. Surgiam às centenas, as pequenas criaturas; aranhas e insetos, de diferentes formatos e cores, além de lesmas e caracóis. E meu avô me fazia, desde bem pequeno, pegar esses bichos com as mãos. Ele me passou a lição de que a maioria desses animais não eram nossos inimigos, tampouco nos faziam mal, apesar da aparência amedrontadora que pudessem ter, principalmente para um menino nos seus 8 anos de idade.
Acho que esse foi o ponto crucial dos ensinamentos do meu avô: mostrar-me que os animais não nos ameaçam e são nossos amigos, nossos companheiros de jornada terráquea, e que pisá-los, alvejá-los com pedradas e abatê-los é algo que não devemos fazer jamais.
No prédio onde eu morava, no também “florestado” bairro do Jardim Botânico, meu grande amigo de infância e vizinho de porta, Roberto (Robertinho) Price, era filho de um dos maiores cientistas brasileiros, o Dr. Llewellyn Ivor Price, pai da Paleontologia no Brasil e um verdadeiro vulto da ciência em nosso país. Durante anos da minha infância, brinquei no escritório do Dr. Price, que também era o quarto do Robertinho. Lá, Dr. Price guardava muitos de seus achados e produzia seus artigos científicos, descrevendo novas espécies de dinossauros, sua especialidade. O convívio mágico com o Dr. Price, durante tenra idade, também ajudou a forjar meu perfil de naturalista.
E, por fim, no Colégio Camilo Castelo Branco, no Horto, uma das vizinhanças mais verdes do Rio, onde tive a sorte de cursar o “ginásio” e ser aluno do genial professor Walter Mello Veiga Silva, que nos passava lições mágicas e organizava excursões à Floresta da Tijuca e mergulhos nas pedras da Urca, onde tínhamos aulas práticas sobre a natureza que me foram eternas. No Camilo, conheci meu melhor amigo, da vida toda, Leandro Salles, que entrou comigo no curso de Biologia, na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Eu não segui adiante.
Mas Leandro seguiu, fazendo uma carreira fantástica, com mestrado na Universidade de Nova Iorque e doutorado na Sorbonne, em Paris, em Paleontologia. Hoje é professor e pesquisador no Museu Nacional do Rio de Janeiro.
A criação da Divisão de Repressão aos Crimes Ambientais da PF foi, olhando agora, um reencontro meu com a ciência, e, em parte, um resgate da carreira que deixei para trás. Foi uma maneira que busquei — e encontrei — de consertar o erro que cometi ao abandonar a faculdade de Biologia.
A gente não consegue fugir do que somos. Virei delegado da PF, mas o biólogo e o menino naturalista seguiram vivos em mim, até hoje.
Jorge Pontes é carioca, delegado da Polícia Federal, especializado em Justiça Criminal pela Universidade da Virgínia (EUA), formado pela Academia do FBI, e diretor da Interpol. Ele lança, na próxima segunda-feira (01/08), seu terceiro livro: “Guerreiros da Natureza — a história do combate aos crimes ambientais na Polícia Federal” (Editora Mapa Lab), na Livraria da Travessa, no Shopping Leblon.