Foi na oficina literária de crônicas que um participante, o Felix Caldeira Brant, me veio, num texto, com esta:
— “E o Degas aqui?”
O Degas! Há pelo menos quatro (ou cinco) décadas que ninguém fala isso — e duvi-de-o-dó que o Felix tenha idade para ter sido um Degas algum dia.
O Degas é do tempo em que se tinha que ligar a televisão com antecedência, para que ela esquentasse. E controlar as listras verticais e ser bom no manejo do botão de horizontais, para que a imagem não disparasse tela acima ou tela abaixo. E em que o pai da gente subia no telhado para girar a antena — e quando gritávamos “Tá bom! Para!”, ele já tinha girado mais um pouco e não estava mais bom coisíssima nenhuma.
Um Degas não precisava ser um pão, mas tinha que ser pelo menos boa pinta. Com um Degas, não tinha papo furado — mesmo que ele não entendesse bulhufas do que estava falando.
Ser Degas demandava ter borogodó. O Degas era fogo na roupa. Nenhum broto papo firme resistia ao Degas.
“O Degas aqui” era um statement. Uma declaração de princípios e de autoestima inabaláveis. Dizer “O Degas aqui” equivalia a ter um carro vermelho, não usar espelho pra se pentear; botinha sem meia, e só na areia saber trabalhar. Cabelo na testa, era do dono da festa, pertencia aos 10 mais. Se você quisesse experimentar, ia gostar.
Assim como as desquitadas, os subversivos, o Glostora e o controle vertical e horizontal da televisão, o Degas desapareceu. Saiu de cena à la Greta Garbo, antes que a calvície, antes que a barriga, antes que o ciático, antes que os esquecimentos…
O Degas se afastou como o elefante que sabe que vai morrer (isso é lenda, eu sei, mas a imagem — ao contrário da Telefunken do tempo do Degas — é boa). Foi comprar cigarro — um Mistura Fina — e nunca mais voltou. Esvaneceu, por incompatibilidade de gênios com as pantalonas, a disco music, o sapato cavalo de aço e os cigarros com filtro.
Deve haver um Retiro dos Degas em algum lugar, não muito distante do Lar das Sirigaitas. Volta e meia um deles aparece numa crônica nostálgica, evocando os bons tempos. Depois tosse um pouco (Mistura Fina e Cuba Libre fazem um estrago danado nos brônquios, no fígado e na alma), reclama da patota de agora, acha que o mundo ficou muito quadrado e suspira, lembrando de quando era prafrentex.
O Degas aqui nunca foi um Degas — mas convivi com vários. Meu tio, bom de sinuca, espelhinho no bolso da calça, era um deles. Um cara batuta. De camisa verde clara, calça santropê. Como todos os Degas, ele era o tal, o tal, o tal, o tal, o tal.