Música provoca emoções. Canções contam histórias. A influência das raízes musicais africanas e indígenas na música brasileira é evidente. A presença de mulheres e negros na música mostra, cada vez mais, força, inclusive com retorno comercial. Mas como será o acesso de profissionais negros, indígenas e mulheres a profissões e cargos de liderança nesse mercado, que fatura bilhões por ano, no mundo? Como é tratada a questão de gênero e a questão racial? Como podemos contar essa história?
As minhas motivações para a publicação de “Diversidade na Indústria da Música no Brasil” (Editora Dialética) surgiram há alguns anos. O tema da diversidade e da igualdade racial vem me atraindo pela brutal desigualdade social no Brasil. É uma busca por respostas e políticas que colaborem com a equidade e o respeito com todas as origens étnicas e todos os gêneros.
Sou produtor de festivais e construtor de palcos e pistas; já produzi mais de 2 mil shows. Música provoca identificação, é a tal linguagem universal. Ao observar esse universo dos eventos na Zona Sul e no Centro do Rio, já ficava evidente que havia uma divisão social: brancos em clima de diversão, negros trabalhando como “bartenders” ou seguranças. Isso mudou um pouco com as políticas de acesso à educação e à cultura em governos anteriores, mas é uma mudança muito lenta. É preciso olhar com atenção para essa realidade, assim como para a estrutura do mercado fonográfico e a indústria da música, incluindo shows e eventos.
A pesquisa realizada para o livro indica dados que são alarmantes, ainda que, talvez, não surpreendentes. Na maioria das organizações pesquisadas na indústria da música no Brasil (62,5% empresas), menos de 5% dos cargos executivos são ocupados por pessoas negras. Em relação aos cargos ao quadro total de funcionários, apenas 26,5% são negros. A população brasileira é composta por 56,10% de negros, segundo dados oficiais do governo (IBGE, 2019).
A situação que encontramos no Brasil, portanto, é de racismo estrutural com impacto direto na falta de acesso de negros e indígenas a vagas no ecossistema da música.
Sobre a questão de gênero, mais dados que impressionam. O algoritmo utilizado em serviços de “streaming” tem mais probabilidade de recomendar músicas de homens. Apenas 25% dos artistas ouvidos são mulheres, demonstra a pesquisa de Ferraro (2021). Há também barreiras para que as mulheres alcancem cargos de liderança e o mesmo nível salarial na indústria da música, além de casos frequentes de assédio.
De acordo com o Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), entre os 100 compositores com maior receita no Brasil, há apenas duas mulheres. No espaço ocupado em gravadoras e nos selos com maior receita no “streaming” e nos shows, também falta diversidade, ainda que a proporção seja um pouco melhor em termos de representação do que nos escritórios das grandes organizações do setor.
“Por que não abrem as portas para mais artistas pretos? Isso mostra como ainda estamos muito atrasados. Não podemos esperar outros 500 anos no Brasil para mudar isso”, afirmou Éliton Nascimento, gerente de Artistas e Selos do Spotify, em um painel organizado pela Escola Música & Negócios.
A realidade é a mesma em países, por exemplo, como Reino Unido e Estados Unidos, ainda que com diferentes leituras a depender do gênero musical. “A mudança é frustrantemente lenta. Minha impressão é que o campo da música clássica tem sido um pouco mais bem-sucedido em elevar artistas negros do que na área técnica ou de suporte”, Ed Harsh, formado em Yale e na Columbia University, um dos fundadores e CEO da New Music USA.
Não pretendo, evidentemente, esgotar o tema com a publicação do livro. Sou apenas um agente da música interessado no tema, e meu objetivo é provocar reflexões na própria indústria musical. A partir da pesquisa, cito outras pesquisas e indico possíveis diretrizes e metas para que as organizações da música ofereçam ambientes mais justos e inclusivos.
Leo Feijó, 47 anos, é carioca e acaba de escrever o livro “Diversidade na Indústria da Música no Brasil”, com pré-venda na Editora Dialética. E também está na curadoria e direção do “1º Festival LabSonica Sounds & Talks”, no Oi Futuro, todas as quartas, até dia 4 de maio. É jornalista e mestre em Empreendedorismo Criativo com ênfase em Indústria da Música pela Goldsmiths, University of London. Publicou “Rio Cultura da Noite ” (Ed. Leya, com Marcus Wagner). Coordenou a publicação de “1976 Movimento Black Rio” e “Memória Afetiva do Botequim Carioca” (Ed. José Olympio).