Não é que eu esteja sofrendo de insônia. Meu sono é que agora tem vontade própria.
Vem quando quer (normalmente na hora em que preciso trabalhar) e vai quando lhe dá na veneta (tipo assim às três da madrugada).
Parece me dizer: “Se você não tem mais sonhos, dormir pra quê? ”
Não deixa de ter razão.
Quando eu era recém-nascido e a vida era puro sonho, dormia até 18 horas por dia. Com um ano de idade, três horas a menos. E as horas de vigília me foram arrancando dos braços de Morfeu e do colo de Hypnos, até que a juventude me convenceu de que oito horas bastariam (isso nos dias úteis, ou quando não tinha virada de entrega de projeto na faculdade).
Um terço do tempo dormindo, dois terços lidando com o que havia de provocar pesadelos.
Daí em diante, foi cada vez mais realidade e menos vida onírica. Cada vez mais olhos arregalados, como que tentando compensar o infinito que logo haverei de passar de olhos fechados.
Sempre tive sonhos anfíbios (sonhava dormindo e acordado), mas refém de um sono raso, para que os sonhos fossem capazes de vir à tona e respirar, quando submersos. Não eram, os meus, sonhos-baleia ou crocodilo, daqueles que afundam por meia hora, hora inteira. Eram sonhos hipopótamo, emergindo a cada 15 minutos. Sonhos martim-pescador, que mergulham só o tempo de capturar a presa — uma lembrança, um vestígio do dia — e retornam ao poleiro, à corrente de ar.
Tentei domar o sono à força, à custa de hemitartarato, meia luz no quarto, trocar por um de 400 fios o meu lençol barato; alprazolam, bromazepam, clonazepam, diazepam, melatonina, maracugina, mergulhos na piscina, massagem, sacanagem, sexo selvagem (sim, até isso eu tentei, para verem o nível de desespero). O sono, nem aí para nada disso — não deu sequer pro cheiro.
Agora o que faço é brigar com ele à luz do dia, na surdina, à base de vizinho gritando na quadra e de muitas doses de cafeína. Tento empurrá-lo com a barriga até as dez da noite, que é quando a vizinha de cima arrasta os móveis com mais fúria, e torcer para que seu feng shui noturno não dure a madrugada inteira.
Às três da matina, já sem o que fazer na cama, fotografo a Pedra da Gávea (ela, sim, adormecida) e acompanho o carvão do céu se acender em labareda, e se acalmar em azul. Passo o primeiro café, aqueço o pão, lavo a varanda, passeio os cães e aí o sono vem me dar bom dia.
— Mais tarde, moço — digo eu.
Ele talvez precise que eu invente novos sonhos — como aqueles em que voava ou mergulhava em desejos obscuros, e despertava molhado.
— É tarde — ele responde. Para sonhos, desejos, mergulhos, voos. Três, quatro horas, te bastam.
Resta saber o que fazer das 20 horas que restam, e se espreguiçam, vagarosas, com a cabeça apoiada no travesseiro da insônia da véspera e os pés pousados nas almofadas da insônia ainda por vir.