Quando buscamos sinais de vida em outros planetas, basicamente buscamos sinais da passagem em algum momento ou da existência de água em estado líquido.
O que parecia ser uma exclusividade deste pequeno, belo e tão maltratado planeta, o elemento água, é mais abundante do que se imaginava, espalhado por todo canto.
No entanto, no estado líquido, onde as reações bioquímicas acontecem e de onde todas as formas de vida vieram por aqui, isto é, em seu estado líquido, aí é que, por enquanto, está a exclusividade terrestre.
Há expectativas de potenciais grandes oceanos sob as espessas camadas de gelo em Encédalo, lua de Saturno, mas oficialmente, para o grande público, água em estado líquido e com vida, só por aqui mesmo.
Dito isso, seria de esperar que elemento tão fundamental, estratégico para a existência orgânica para todas as espécies vegetais e animais, incluindo, é claro, do Homo sapiens, ou nem tão “sapiens” assim, fosse uma prioridade em termos de gestão eficiente por parte da espécie animal dominante e capaz de prodígios tecnológicos incomparáveis.
Pois é, era de esperar, mas não acontece de forma tão uniforme quanto se esperava em pleno século XXI.
Vários países, no hall dos ditos desenvolvidos, já têm tomado vergonha na cara há algum tempo e cuidando com muita mais atenção das fontes, do tratamento e do reaproveitamento de tão importante líquido, visto que água doce e potável ou necessitando de pouco ou nenhum tratamento já é coisa raríssima em qualquer parte do Planeta, sendo que se gasta muito dinheiro para obter água sem potenciais organismos patológicos ou outros contaminantes químicos de corpos hídricos em bom estado de conservação.
Infelizmente, essa preocupação não tem sido uma marca quando falamos de nossa água verde e amarela, uma nação, uma verdadeira potência mundial em termos hídricos.
Já são comuns e frequentes as crises de abastecimento nas grandes regiões metropolitanas brasileiras, açodadas pelo crescimento urbano desordenado, pela falta de ordenação do uso do solo, falta de políticas públicas na área de habitação e pela ausência do saneamento universalizado. Nesse contexto caótico, de pequenas a grandes cidades, bacias hidrográficas inteiras, praticamente têm sido exterminadas enquanto ecossistemas, transformadas em valões de esgoto e lixo sem vida, incapazes de fornecer água potável ou pouco contaminada.
Lagoas costeiras e baías também não têm escapado da degradação sistêmica, transformadas em latrinas por décadas de delinquência ambiental explícita, sem freio algum — não por falta de recursos, mas por completa falta de gestão.
Fato é que, em pleno século XXI, depois de sediado diversos eventos megalomaníacos que consumiram dezenas de bilhões de reais durante os anos de vacas gordas, questões estratégicas como a boa gestão da água, ficou apenas mesmo nos discursos de palanque no dia da água.
Um potencial alento nesta guerra suicida contra a água foi o recente marco regulatório do saneamento que, entre outras providências, abriu a concessão dos serviços de abastecimento de água e tratamento de esgoto para a iniciativa privada, que acredito eu, não irá produzir quadro tão caótico oferecido por várias empresas estatais que simplesmente aí estavam apenas e exclusivamente para arrecadar dinheiro dos péssimos serviços oferecidos aos consumidores – a conferir em pouco tempo.
Destaco, de forma bem objetiva, o caso da “indigestão” da bacia do rio Guandu, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro – bacia responsável pelo abastecimento de água para boa parte da segunda maior região metropolitana brasileira. Portanto, estamos falando de milhões de consumidores, onde eu pessoalmente tenho denunciado, desde o ano de 1999, o lançamento de esgoto doméstico e industrial no ponto de captação da estação de tratamento de água do Guandu.
Como estação de tratamento de água é uma coisa e a de esgoto é outra, minha preocupação com a qualidade do produto que saía da estação para o abastecimento sempre foi enorme. No entanto, contrastando com essa minha preocupação, duas décadas, exatamente vinte e um anos se passaram até que surgiu a tal geosmina, produto da ação de cianobactérias, por sua vez, produto das condições de profunda insalubridade gerada pelos despejos generalizados, fato que gerou relativa reação dos milhões de consumidores e pressão das mídias local e internacional.
Mesmo com a tal geosmina, que dá gosto e odor, incompatíveis para seu uso, os “responsáveis” levaram mais dois anos para tomar algumas medidas de controle parcial da situação, gerando as crises da geosmina em 2020 e 2021.
Diante dessas poucas linhas e olhando para as águas salobras e cristalinas da lagoa Rodrigo de Freitas, cheias de vida em seus manguezais e lembrando as tantas batalhas que travei contra quem recebia e não oferecia o serviço de qualidade que todos, inclusive o ambiente merecíamos, tenho a certeza de que a eficiente gestão do recurso água, seja ele, doce, salgado ou salobro, dependerá não apenas de pressionar a estrutura pública a obedecer ao que já existe em termos de leis que protegem esse elemento, como também uma ação individual e coletiva da sociedade no que tange estabelecer limites à delinquência ambiental que, certa que pode tudo, contamina, degrada um patrimônio insubstituível, que é a nossa saúde e a água da qual nós e todas as demais forma de vidas dependemos.
Afinal, quem quer água?