Se o assunto é Petrópolis, temas ligados à Família Real sempre entram em cena, como esta semana, com a tragédia das chuvas, com mais de 140 mortos até este domingo (20/02). E olha que o Brasil deixou de ser Império em 1889, com a Proclamação da República. Ainda assim, Petrópolis é conhecida como a Cidade Imperial, fundada pelo imperador Dom Pedro II, em 1843, trisavô do príncipe João Henrique de Orleans e Bragança, de 67 anos, empresário e fotógrafo, com quem conversamos. João mora em Paraty, contudo jamais deixou de ter laços com a famosa cidade serrana, onde passou parte da infância e adolescência.
Uma das queixas dos petropolitanos, agora, na tragédia, foi a pequena manifestação da Família Real através de uma carta assinada por Dom Bertrand de Orleans e Bragança, 80 anos, oferecendo apenas orações à população, já que alguns deles recebem o laudêmio (imposto de 2,5% pago a alguns membros da Família Real, sobre o valor das transações imobiliárias), do qual João, de perfil mais artístico e progressista, é contra.
João se declara suprapartidário — já foi convidado para cargos políticos, desde quando Leonel Brizola o chamou para entrar no governo, há 30 anos, mas sempre rejeitou, preferindo a liberdade de poder criticar quem bem quiser. Em 2018, em entrevista à coluna, disse, por exemplo, que os partidos políticos mais parecem “facções criminosas”.
Como é seu sentimento ao ver, novamente, o que está acontecendo com Petrópolis?
É um sentimento de muita tristeza, com uma tragédia desse tamanho, mas que já aconteceu em Minas e na Bahia. São desastres naturais não só pelo aquecimento global, mas também pela falta de consciência das políticas de cuidado de assentamento das classes menos favorecidas.
Então essa tragédia está mais na conta de quem?
Essas ocupações, na maioria das vezes, são feitas por falta de planejamento dos governos, de financiamento, de uma política habitacional nacional. Isso não existiu em nenhum dos governos. O programa ‘Minha casa, minha vida’ (criado em março de 2009 pelo Governo Lula) não resolveu nada para a população que mora em áreas de risco e sem planejamento, e não só nas áreas de risco. Os políticos não olham para o futuro, só para o presente e são os grandes culpados dessa tragédia. Não pensam e não querem queimar dividendos, tendo que remover a população desses lugares — não interessa a eles. Então, deixam acontecer esses desastres “naturais”, que não têm nada de natural porque, se não tivesse essa ocupação irregular, nada disso aconteceria.
Tem algum lugar específico que você tenha visto ruir na cidade e que traga muitas lembranças?
É uma tristeza como um todo. As regiões dos morros foram uma catástrofe. Nas baixadas, os rios transbordaram por causa do entupimento, com água se espalhando em terrenos planos, pelas partes históricas, perto do Museu Imperial, do Palácio da Princesa Isabel e de outras casas históricas.
Qual seu maior desgosto com esses acontecimentos?
O maior desgosto é ver que dificilmente a classe política vai se modificar — temos o mesmo do mesmo há décadas e há séculos. Mesmo na época do Império, a classe política já era a favor da escravidão; a República foi feita por uma luta dos escravocratas. No entanto, se quiser, o brasileiro tem força pra mudar.
O que você acha da cobrança do laudêmio? (taxa imobiliária de 2,5% paga a alguns membros da Família Real).
Sou contra; acho que deveria acabar. Esse sistema de cobrança de taxa deve acabar também para igrejas, terrenos da Marinha… É ultrapassado e não deve ser revertido pra ninguém
Qual a sua relação com a cidade?
Tenho o maior carinho por Petrópolis. Passei parte da minha infância lá, nas minhas férias de verão, quando eu tinha 14, 15 anos. Era uma cidade muito menos ocupada, uma população muito menor que hoje, como a do Brasil em geral. As periferias de todas as cidades se inflaram, incharam, sem planejamento — Salvador, Belo Horizonte, São Paulo, Rio, Recife são megacidades. A maior parte da periferia não é planejada, e grande parte está em risco.
Entre os danos sofridos pelo patrimônio histórico, está a casa da sua bisavó, a princesa Isabel. Como isso reflete em você?
Petrópolis, como um todo, foi atingida. As regiões dos morros sofreram muito mais, assim como as baixadas, porém, com o transbordamento dos rios, a água se espalhou pelas áreas planas, inclusive nas partes históricas.