Chegamos a 2022, ao que tudo parece. Ainda sem muita certeza, a população brasileira está vacinada: com duas doses, as taxas são de 39,14 % (no Amapá, a mínima proporção entre os estados do País) e 78,4 % (em São Paulo, maior proporção da federação). De acordo com o “G1”, a média da população brasileira com duas doses ou única é de 67,42% do total da população.
Portanto nos aproximamos de um cenário em que a taxa vacinal permite um maior retorno das pessoas a suas atividades de forma mais tranquila quanto à pandemia. Mas será?
Depois das festas de fim de ano, fomos confrontados com a dura realidade, com muitos contaminados pela covid, mesmo com o esquema vacinal completo. As agências de notícias mundiais alertam sobre a capacidade de a cepa ômicron se espalhar mais rapidamente. Estamos com uma pitada de gripe e até mesmo uma dobradinha, a “flurona” (gripe + covid).
Mesmo que as taxas de mortalidade não se equiparem ao que acontecia antes da vacinação, ao sermos expostos a esse dado de realidade, torna-se mais difícil manter aquele respiro de ano novo. Aquele frisson de uma página em branco, com sonhos e projetos, mesmo que não ameaçados no Brasil por um fechamento completo, também não deixa aquela projeção de tudo ótimo conforme muitos idealizaram.
No entanto, não podemos comprar a ideia do “fim do mundo” e nos fecharmos cada qual em sua bolha. Com tantas divergências, conflitos, maior diversidade de opiniões e toda sorte de bandeira, muitos estão querendo ficar simplesmente numa vida à paisana.
Camuflados em suas casas, cercados por sua realidade e necessidade, muitos abriram mão do convívio das ruas para a navegação no “mar azul” das ilhas de satisfação: deixa-me aqui escutar o que quero e escolher a realidade com que quero conviver. Alguns estão no seu trabalho remoto, por horas sem fim, a desafiar o tédio das telas; outros encontraram a paz que sempre quiseram, imersos na virtualidade; outros estão na vida que segue, com sua luta diária por estar vivendo com os riscos da violência e de se manterem atravessando as ruas das cidades, com seus carros, asfaltos e pessoas.
Em nossa virtualidade atual, de certa forma, entramos mais de cabeça do que de corpo. Ficamos ali presos no que nos cerca, seja a solitude escolhida, seja uma balbúrdia de casa cheia. De um lado, a Bahia de todos os Santos, em Trancoso, e de outro, a hashtag #prayforBahia, nos afogados de Itabuna. Sem misericórdia, continuamos 2022 com aquela sensação de “já vi esse filme”, ou apenas, vou desligar meu fio deste mundo negativo.
Aos otimistas, perseverem com doses cuidadosas de realidade. Para aqueles pessimistas da vida toda, cuidado para não exagerarem mais do que os fatos reais. Agora, para aqueles que estão simplesmente perdidos para qual lado aderir, permitam-se não deixarem de lado o necessário. Será preciso trabalhar, confrontar-se com os impasses e perceber qual a sua dose de realidade. Diante do cenário, não aposente sua fantasia e sonhos, alimente sua imaginação para as conquistas possíveis e não abandone sua força de viver.
Agora, quando sua tela está em branco, não para poder começar, e sim por achar que faltam forças, que sua vontade sumiu há tempos, ou mesmo, que não vale nem mesmo tentar algo, procure não se abandonar. Caso já tenha buscado tudo que poderia lhe “puxar para cima” e nada deu efeito, pondere e pense que pode ser necessária uma ajuda emocional. Sim, use este momento de um ano pela frente para que possa tomar coragem em se cuidar.
Instigue aquela sua curiosidade por fazer diferente. Se antes você colocava a roupa de correr e voltava para a cama, quem sabe não é o momento de ousar e sair até a rua. Caso esteja difícil correr, ande até onde possa respirar com alívio. Em caso de não sentir alívio ou ter aquela sensação de peso no peito, não respire rápido: pause a cabeça e reinicie a inspiração. Repita até conseguir um novo fôlego. Pronto, volte para sua casa de dentro.
Para aquela sua morada mental, em que só você consegue se perceber. Em caso de não conseguir achar o caminho de volta, não hesite em buscar suporte para sua saúde mental. Teste rápido, PCR, vacinação, dose de reforço e todo vocabulário pandêmico — não podem mais nos manter longe de nós mesmos. Não deixe seu janeiro passar em branco.
Maria Francisca Mauro é psiquiatra, mestre pelo Instituto de Psiquiatria da UFRJ (IPUB) e integrante da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Desde 2008, atua como psiquiatra clínica e tem experiência em pacientes com quadros graves (depressão, ansiedade, alterações de comportamento alimentar, transtorno bipolar do humor e esquizofrenia).