Esta semana, depois de mais de um ano de afastamento, voltei a frequentar a piscina do meu prédio.
Trocaram as espreguiçadeiras por novas, mais bonitas e mais frágeis (e em menor quantidade, e sem a mesinha de apoio). No mais, tudo continua exatamente igual. Inclusive as mesmas velhinhas tagarelas (que ouço daqui de cima, e que devem ser ouvidas num raio de pelo menos 500 metros).
Elas não vão à piscina para nadar. Colocam seus maiôs, seus óculos, seus chapéus, e fazem um footing hidráulico, enquanto colocam a conversa em dia. Todo dia. Como não acontece tanta coisa em 24 horas, as novidades são exatamente as mesmas.
Estão sempre bem próximas, nunca estão em desacordo, mas gritam assim mesmo, concordando enfaticamente umas com as outras, não importa o que digam.
Falam sem a intenção de convencer ou mostrar outro ponto de vista. Falam tão somente por falar – e o fazem tão alto quanto possam, já que nenhuma quer ouvir e todas querem ser ouvidas.
Gritam na piscina porque talvez seja o único lugar onde possam gritar. Gritam porque estão ao ar livre, porque ignoram a diferença entre o particular e o coletivo, entre o exclusivo e o compartilhado. Gritam ali porque a piscina não é de todos: é delas, só delas, de cada uma delas.
Não vão lá pela água tépida, pela vitamina D, pela atividade física. Vão para exercitar as cordas vocais. Não conversam apenas entre si: falam para a plateia latente que há nas espreguiçadeiras, nas janelas em torno, nas varandas dos prédios vizinhos.
Como nos filmes do Altman, suas falas se superpõem. Falam sem se preocupar se o que dizem é levado em consideração — só o que querem é falar.
– Eu ontem fiz uma salada…
– Eu também fiz uma…
– … enorme e coloquei…
– … salada. Pus tudo quanto é…
– … um monte de fruta. Menos…
– … fruta. Eu adoro salada.
– … banana. Não ponho banana porque…
– Menos com maçã, porque…
– … fica escura.
– … fica escura. Mas aí eu espremo…
– Mas ficou ótima.
– … laranja. Porque aí não fica escura.
– Enorme, a salada.
Eu, na minha espreguiçadeira, a prudente distância, sabia que ambas tinham feito saladas. Uma certamente não sabe o que a outra fez.
Alguém que não entenda a língua há de se perguntar por que brigam tanto ( e não estará errado – elas estão mesmo numa disputa: por atenção). E se maravilhar com o fato de brigarem verbalmente e jamais chegar às vias de fato.
Passam bem umas duas horas ininterruptas nesse ritual — no qual as expressões mais usadas são “meu marido” e “minha empregada”. Quando se cansam, sobem a escadinha e se abrigam sob os guarda-sóis, afônicas e felizes.
Saem da conversa sabendo o mesmo que sabiam antes. Porque não houve diálogo, mas monólogos simultâneos.
À tarde, a frequência à piscina é outra. São mulheres mais jovens. Usam biquínis e raramente entram na água: besuntam-se de protetores e tostam ao sol (aquele mesmo sol que encarquilhou as velhinhas do período da manhã — mas elas não sabem disso, ou acreditam em Nossa Senhora dos Bloqueadores de Raios UVA e UVB).
Não conversam. Mantêm-se estanques, com seus fones de ouvido. Eventualmente, fazem selfies e acompanham a repercussão das postagens. Estão na piscina, mas não estão.
As velhinhas madrugadoras foram jovens nos anos 60, mas daquela rebeldia, daquele anseio de liberdade, não parece ter sobrevivido um átomo. Imagino (só imagino, porque não estarei vivo para presenciar) como será o outono das moças destes tempos narcísicos. Talvez se reúnam para tagarelar consigo mesmas em piscinas virtuais.
Pelo menos não incomodarão os vizinhos.
Ilustração: Sydney Michelette Jr.