Senhores passageiros, quem lhes fala é a comissária Samara. O comandante e que resta da sua tripulação apresentam-lhes as boas-vindas a bordo desta aeronave para o voo 2022 com destino a… Bem, por motivos, digamos, técnicos, o comandante decidiu mudar a rota e nenhum de nós faz a menor ideia de para onde estamos indo. Saberemos quando chegarmos lá. Se chegarmos lá.
Observem o número de seu assento no cartão de embarque. É provável que haja várias outras pessoas com o mesmo número, e isso não é desorganização, falha no sistema ou sacanagem da nossa parte. Quer dizer, até é, mas nós chamamos de overbúquim. Como a companhia não tem dinheiro em caixa para pagar o combustível, o único jeito de viabilizar o voo foi vender a mesma poltrona inúmeras vezes. Vocês que lutem para ver quem vai sentado, quem vai no colo e quem vai em pé.
Por medidas de segurança, não acomodem as bagagens de mão nos compartimentos acima de seus assentos, porque eles estão destinados aos passageiros que usaram milhagem. Tentem abaixo da poltrona a sua frente — antes que os passageiros que usaram milhagem descubram que também houve overbúquim para os compartimentos acima dos assentos e se enfiem embaixo das poltronas.
Aos senhores passageiros sentados na fileira junto às saídas de emergência, informamos que não adianta ler atentamente os cartões de segurança localizados nas bolsas à sua frente. Primeiramente, porque acabamos com as bolsas; depois, porque acabamos com as saídas de emergência. Como nenhum de vocês estaria mesmo apto a operá-las em uma situação de emergência, nem percam seu tempo solicitando a um dos comissários a troca de assentos.
Em caso de despressurização, máscaras individuais não cairão automaticamente dos painéis acima de seus lugares, porque o comandante é contra o uso de máscaras.
Se sentirem queda brusca de temperatura, sensação de ofuscamento, confusão mental ou objetos começarem a voar pela cabine, lembrem-se que tudo isso é invenção da mídia e das empresas farmacêuticas que vendem oxigênio como se ele fosse algo essencial à vida. Puxem a manga da camisa da pessoa mais próxima, apliquem-na sobre o nariz e a boca. Se ela reagir, ajustem um elástico à volta do seu pescoço até ela ficar roxa, e respirem normalmente.
Passageiros viajando com crianças ou alguém que necessite de ajuda, lembrem que empatia tem hora.
Esta aeronave possuía 6 saídas de emergência, que foram consideradas desnecessárias, assim como os lavatórios, as luzes de leitura e o serviço de bordo. Lembramos ainda que os assentos de suas poltronas deveriam ser flutuantes, mas esse item também foi cancelado — e por um motivo muito simples. Se olharem pela janelinha, verão que as asas — que pareciam de isopor e coladas com esparadrapo — realmente eram de isopor e estavam coladas com esparadrapo, e estão sendo retiradas. Porque isto aqui é um ônibus — e não digam que não sabiam quando compraram a passagem, porque era óbvio que algo com este formato de paralelepípedo, quatro pneus, para-choque, placa e retrovisor nunca que poderia ser confundido com um avião.
Esqueçam os avisos luminosos, já que a conta de luz ficou impagável. Mantenham os encostos das poltronas na posição vertical, até porque não são reclináveis, e fiquem com a boca fechada e as pernas travadas, porque já estamos a 120 por hora, ladeira abaixo, na banguela.
Agradecemos a preferência e desejamos a todos uma boa viagem.
Ah, sim, apertem os cintos, porque parece que o piloto, que dizer, o motorista, sumiu.
Ilustração: Sydney Michelette Jr.