O ano de 2021 foi dolorido para a maioria: inflação alta, renda média no menor nível da década, segundo o IBGE, 13 milhões de desempregados, insegurança alimentar, luto pelas perdas com a covid, o surgimento da cepa ômicron, que fez cidades do País inteiro cancelarem as festas de fim de ano, assim como vários países e “otras cositas más”.
E chegou 2022! Ano novo sempre traz em si muitas possibilidades e intenções de recomeço. O que esperar e como reagir em 2022? Com desconfiança, coragem ou entrega? Pela pesquisa “Global Advisor Predictions 2022”, feita pelo Instituto Ipsos no Brasil e em outros 32 países, por aqui, tão alto quanto o sentimento de negatividade ao olhar pra trás é o de otimismo com o futuro: 82% dos entrevistados acreditam que 2022 vai ser melhor que 2021.
Conversamos com a psicanalista Beatriz Breves sobre a inteligência emocional e como manter o otimismo para este ano. Breves dedicou praticamente toda a sua vida ao estudo dos sentimentos, sendo a fundadora da Sociedade da Ciência do Sentir (SoCiS), e acaba de lançar o livro “Entre o mistério e a ignorância — O Desvendar da Psique Humana”, um passeio pela Arte, a Biologia e a Física — esta última, inclusive, é a segunda formação da autora, que buscou ampliar o conhecimento sobre os humanos a partir de conceitos físicos.
Estamos, há dois anos, vivendo de incertezas. Como reprogramar a mente para o modo otimista em 2022?
Sabendo que a visão determinista — a que oferece alguma certeza na vida —, é extremamente limitada, uma percepção otimista para 2022 estaria diretamente relacionada à aceitação de que uma margem de incerteza deveria ser incorporada a todas as vivências de nossa vida. De fato, esses dois últimos anos apenas serviram como comprovação e ensinamento de que viver com otimismo é, antes de tudo, aprender a caminhar com segurança na estrada da incerteza chamada vida.
Se desse pra resumir em uma frase, como foi 2021 pra você? E para a maioria das pessoas que atendeu?
Um ano de reinvenção que, enfatizando a necessidade de nos posicionarmos como um permanente aprendiz diante da vida, vem demonstrando a importância do sentimento de humildade.
Acreditamos que seja difícil separar as coisas e, até por isso, o acúmulo de informações desencontradas, notícias ruins, incertezas etc. causaram vários efeitos; um deles é a exaustão, talvez a palavra mais ouvida nesses últimos anos. Como saber o que é um simples cansaço mental ou exaustão patológica, seguindo, talvez, para um burnout, depressão e outros transtornos… Só no consultório, ou a gente tem como evitar que isso evolua de alguma maneira?
Se compreendêssemos a vida como um processo que flui na espiral permanente formada pelo ir e vir de altos e baixos, o patológico se manifestaria na cristalização do movimento em uma dessas posições. Nesses casos, muitas pessoas, valendo-se do esforço pessoal e do uso de seus recursos internos, conseguem superar esses momentos, mas, em não conseguindo, entendo que seria de fundamental importância recorrer a uma ajuda profissional.
Você tem formação, também, em Física. Em que a disciplina ajudou a criar a “Ciência do sentir”?
Ao cursar a faculdade de Psicologia, imergi em teorias psicológicas construídas conforme o pensamento científico do século XX, ou seja, no paradigma mecanicista Newtoniano, que concebe o Universo e o ser humano como máquinas perfeitas, onde o sentir não tem papel relevante para o entendimento da psique. Ao ingressar na faculdade de Física, sendo imersa em outros paradigmas de visão de mundo, pude redimensionar o meu olhar para a natureza, portanto, para a natureza humana. Compreendi o quanto a visão mecanicista é extremamente reducionista e como tem pouco a contribuir no que diz respeito a psique humana. Migrei então da visão mecanicista para a visão vibracional de mundo. Contudo, não somente isso: com experiência da faculdade de Física, também pude compreender a importância da transdisciplinaridade, o que me levou a agregar Física, Biologia, Psicologia, Psicanálise, Arte e, recentemente, a ciência da Complexidade. E foi, justamente a partir dessa visão mais ampliada, na qual o sentir ocupa o lugar de ator principal na compreensão da psique humana, que foi possível construir a ciência do Sentir.
Por que é tão difícil para algumas pessoas desenvolver a inteligência emocional?
Em tese, posso pensar que seria uma das consequências de uma percepção de si mesma, como sendo uma máquina cujo sentir ocuparia um lugar secundário e de desvalorização. Reproduzindo o que escrevi em meu último livro: “sem dúvida o conceito de inteligência emocional foi um passo importante a favor da valorização dos sentimentos em uma organização. Mas, ainda assim, as empresas se encontram muito distantes do quanto o Sentir deveria ser valorizado. Um funcionário, ao faltar ao trabalho por ter um pico de pressão alta, terá sua falta abonada e não sofrerá desconto pelo dia não trabalhado. Todavia, se um funcionário considerar não ir trabalhar por estar triste, não terá sua falta abonada e, provavelmente, ficará malvisto na organização. Vamos considerar que uma máquina pode, por um mal funcionamento, ter elevado a sua pressão, mas jamais poderá sentir tristeza.” (2021, p.140-141).
Qual a importância de identificar os sentimentos negativos e como fazer isso?
Em meus estudos, o que vai determinar se um sentimento terá efeito negativo ou positivo será o uso que a pessoa fará dele. De fato, o que temos são sentimentos prazerosos e não prazerosos de se sentir. Em se compreendendo por esse prisma, convido a pessoa a pensar como um maestro e os seus sentimentos, como instrumentos de uma orquestra. Como tal, se a orquestra tem os seus instrumentos afinados e possui uma boa regência, a pessoa se escutará harmoniosamente, não importando qual grupo de sentimentos estará à frente, pois o sentir-se bem irá depender não só do conjunto, mas também da ênfase dada a cada sentimento. Por exemplo, o ódio que uma pessoa possa estar sentido por alguém pode servir de estímulo para agrupar, em seu mundo interno, os sentimentos de garra, força, determinação, etc. e, assim, ir na direção de um ideal construtivo na vida. Entretanto, se possui uma má regência, com diversos instrumentos desafinados, a pessoa se escutará com ruídos e se sentirá mal. Por exemplo, o amor que possa estar sentindo por alguém pode servir de estímulo para a possessividade, a submissão, a dominação, etc. e, assim, ir na direção de uma causa destrutiva na vida. Assim, valendo-me dessa analogia, o importante é a pessoa tentar identificar, por uma escuta pessoal, quais interações estão promovendo-lhe harmonia e ruídos, para então iniciar um processo de investimento pessoal na busca de uma transformação interna.
Qual a lição que podemos tirar de sentimentos ruins (luto, ranço, polarizações, pânico etc.) e como tentar mudar esse quadro?
Todo e qualquer sentimento é de grande valia, pois faz com que a pessoa possa sentir o “sabor” de suas interações internas e com o mundo. Nos sentimentos citados, eles funcionariam como um alarme de segurança, como um alerta de que algo não está bem, ou seja, um sinal de que a pessoa está precisando, algumas vezes até urgentemente, a depender do grau e da intensidade, buscar novas opções em sua vida.
Como trabalhar uma mentalidade mais positiva no dia a dia? E isso muda mesmo muita coisa?
A visão positiva no dia a dia não é causa, mas o resultado de uma satisfação interna. Se a pessoa administra bem o que sente, em princípio, terá condições de aprender a lidar não somente com a bonança, mas também com a turbulência da vida e, assim, sentir-se uma pessoa positiva, em que predominaria a confiança e uma boa autoestima.
A dar cinco sugestões para começar melhor o ano, quais seriam?
Bastaria uma única sugestão: a de migrar da concepção de si como um ser mecânico para um ser vibracional, no qual o sentir é a experiência vibracional daquilo que somos em nós mesmos e com o que interagimos; e, assim, valorizando o que sente, começar a entender a importância dos mais de quinhentos sentimentos que, interagindo, proporcionam o sabor que cada pessoa possui de seu Eu.
Poderia definir os efeitos da filantropia em nossa vida?
A ação de uma pessoa que pratica a filantropia, em princípio, tem como fonte o amor, a compaixão, a empatia, sentimentos que, entre outros, aliam-se ao de altruísmo, o que naturalmente leva a pessoa a se inundar internamente de seu próprio sentimento de altruísmo e seus agregados. Tal feito serve, dessa forma, não só de base para o crescimento e expansão pessoal, como também, através do processo de generosidade, mais do que acalentar e confortar a dor do outro, para a pessoa se aconchegar e a pacificar a sua própria dor.