Primeiro chegavam as caixas de bacalhau, e das postas eu arrancava lascas para comer, cruas, só pelo deleite do sal.
Depois as caixas de castanhas e nozes, e potes e mais potes de azeitonas, e latas e mais latas de azeite. E o pão dormia no embornal, para as rabanadas, e eu nem dormia de excitação com a casa cheia de passos, de vozes.
Vinham os primos de Cisneiros, de Além Paraíba, de Muriaé, Belo Horizonte. E os tios que diziam que eu havia crescido, as tias que falavam sem parar, e contavam para minha mãe os próximos capítulos das novelas enquanto encomendavam mais um vestido, uma saia, um modelo novo da última Burda. E minha mãe se desdobrava na cozinha, na costura, entre a máquina e o fogão.
Armava-se na sala uma imensa árvore — sempre a mesma, com as mesmas bolas vermelhas, verdes e azuis, e a mesma estrela na ponta, e uma guirlanda de luzinhas, e novas neves de algodão. Sob a copa, os presentes que mal se aguentavam até a hora da ceia, até aquela meia-noite que não chegava nunca — como não chegava nunca meu autorama, todo ano pedido em vão.
Meu avô e meus tios tomavam, parcimoniosamente, um e outro copo de vinho — daqueles com esteira de palha forrando o garrafão. O nosso vinha misturado com água e açúcar — o suco de uva ainda não tinha sido inventado, e o álcool aos seis anos de idade não era um problema, então.
Mudamo-nos da casa do meu avô — ele ficou, a árvore foi conosco. Acabou a revoada de parentes, diminuiu a quantidade de presentes, mas ainda restavam o bacalhau, a fartura de azeitonas e de azeite, as castanhas quebradas nas dobradiças, depois de assadas no fogão a lenha, a espera interminável pelo galo e sua missa.
Fomo-nos, por fim, para o sertão. E no primeiro Natal meu pai decidiu que o passaria com seus pais, não conosco. E minha mãe armou a árvore a contragosto, para um jantar sem castanhas, sem bacalhau. E o vento arrastou a árvore já sem luzinhas nem neve, e o que restara das bolas se espatifou no chão. Dormimos cedo, sem missa do galo, sem meia-noite, sem bola, sem boneca, sem pião.
Nunca mais houve Natais. A árvore ficou para trás na próxima mudança. Depois, em Cisneiros, numa cova sem nome ou data, ficou meu avô. Ele volta (ele quem? O avô? O Natal? Não importa, são uma coisa só): ele volta, independentemente da ocasião, em cada fio de azeite, em cada lasca salgada, na vontade de saber que gosto ainda tem o vinho diluído em água e açúcar, a rabanada encharcada e comida com a mão.
O Natal não é um dia. É uma espécie de melancolia. Uma pequena cicatriz, sob a qual pulsa um tanto de memória, um tanto de ilusão.
Ilustração: Sydney Michelette Jr.