Eu voltei e aqui é meu lugar. Quando começou a pandemia, eu, como milhões de pessoas, entrei em pânico. Moro no Rio, e o marido (o engenheiro Carlos Eduardo de Souza Dantas Ferreira), na Região Serrana. Peguei minhas coisas e fui morar com ele, na montanha. No meio do verde, do canto dos pássaros, a alma foi se tranquilizando e fui encontrando caminhos para sobreviver com alguma sensação de paz.
Mudei a casa e dei uma de decoradora, assisti a milhares de seriados e filmes. Li bastante. Participei de vários torneios de bridge online. Acompanhei a gravidez da minha filha caçula (Melina), em Seul (Coreia do Sul). Comecei a fazer tudo online, psicanálise, pilates, aula de canto. O tempo foi passando.
O tempo foi passando e, no meio de notícias terríveis do nosso combalido país e as trapalhadas constantes dos nossos dirigentes, foi nascendo em mim uma querência cada vez mais forte. Era falta de exercitar o que sei fazer — sou atriz e não tinha lugar para soltar meus anjos e demônios.
Com meu amigo, o cantor e ator Maurício Baduh, pouco antes da pandemia, estávamos começando a ler a peça “Charles Aznavour Um Romance Inventado”, do Saulo Sisnando. Tivemos que parar, e o projeto ficou suspenso.
A essa altura, as pessoas já estavam saindo, indo a restaurantes, e meu marido achou que o teatro era mais seguro. Afinal, num restaurante, você tem que retirar a máscara e, no teatro, todos têm que estar de máscara durante a peça.
Corajosa que sempre fui, resolvemos produzir o espetáculo, sem patrocínio e sem saber o que iria acontecer. Reunimos um grupo de profissionais talentosos e loucos para trabalhar. Já dizia Napoleão, ‘a maior das imoralidades é trabalhar em algo de que não se gosta.’
Retomei com o Maurício o sonho interrompido. Começamos a ensaiar, em inícios de julho, o lindo e tocante texto do Saulo. Do diretor Daniel Dias da Silva à exímia pianista e arranjadora Lili Secco, ao violinista Ulisses Nogueira, os produtores que enxugaram ao máximo as despesas, Cacau Gondomar e Sandro Rabello, a preparadora de corpo Marluce Medeiros, a cenógrafa e figurinista Gisele Batalha, o Russinho da luz, o Capão do som, os divulgadores Menna e Beto e todos os técnicos nos unimos neste momento pela paixão ao teatro. Percebi que não há mais espaço para estrelismos na classe teatral — unidos somos invencíveis!
Estou feliz e sei. No Teatro das Artes do Shopping da Gávea, Baduh e eu cantamos lindas melodias do Charles Aznavour, arriscamos algumas coreografias e contamos uma história derramada de afetos e paixões. Cantar e dançar fazem um bem danado à alma. Recomendo!
Me pego cuidando de novo dos cabelos, da pele, do make. No meu camarim cheio de artefatos do artista, volto a rituais esquecidos. Aqueço a voz, exercito minha memória.
Levanto a bandeira que faz parte do meu nome, sou recompensada na reação calorosa do público, que reage encantado depois de tantas notícias tristes. Somos aplaudidos com alegria e sentimos que o público sai leve, feliz e seguro. Afinal, sonhar é bom.
Sylvia Bandeira está no musical romântico ‘Charles Aznavour – Um Romance Inventado’, no Teatro das Artes, no Shopping da Gávea, de sexta a domingo, às 20h. O espetáculo fica em cartaz até o dia 31 de outubro.