R.I.P.: Gilberto Braga (1945-2021). Meu autor favorito de telenovelas. Não, eu nunca vi “A Escrava Isaura”, mas entendi o tamanho do autor quando vi gente de vários países — nos meus tempos de Londres — que, assim que eu dizia ser do Brasil, exclamava: “Isaura!”, nos mais diversos sotaques. Eram ingleses, franceses, poloneses, austríacos, italianos, irlandeses, sul-africanos, russos… Não vi “Isaura”, mas me lembro de “A Corrida do Ouro”, que Mr. Braga (ainda assinava Gilberto Tumscitz) escreveu antes, junto com Lauro César Muniz e a mestra Janete Clair. “Janete me ensinou tudo”, disse-me certa vez. Houve outras adaptações de romances de época, para o horário Global das seis: “Helena” e “Senhora”. Mas, então, “Dancin’Days” explodiu no horário nobre e se estabeleceu definitivamente aquele estilo carioca Zona Sul – ninguém escrevia uma dondoca da Vieira Souto como Gilberto Braga – com boas doses do brega suburbano e outra da malandragem dos morros. Como definiu minha amiga Elza Barroso: “Champagne & sarjeta”.
Quem não torceu no embate das irmãs e mães rivais, Júlia Matos (Sônia Braga) e Yolanda Pratini (Joana Fomm), pelo amor da filha mimada, Marisa (Glória Pires)? Ou tentou descobrir “quem matou Miguel Fragonard (Raul Cortez)”? Não teve vontade de estapear Lourdes Mesquita (Beatriz Segall) e tomar uma champanhota chez Stella Simpson (Tônia Carrero)? Eu queria jogar pó de mico na Renata Dumont (Teresa Raquel) — na verdade, chamava-se Agetilde —, aquela que considerava todo mundo seu “subalterno”. Sem contar os inesquecíveis Alberico (Mário Lago), Edgard Dumont (José Lewgoy), Marco Aurélio (Reginaldo Farias) e Felipe Barreto (Antônio Fagundes). Gilberto Braga também expôs o racismo estrutural e pôs casais gays bem resolvidos no horário nobre, quando não era considerado de bom tom e bem antes de virar regra.
Teve também “Corpo a Corpo”, em que Débora Duarte fazia um pacto com o demo, e as minisséries dos “Anos”: “Dourados” e “Rebeldes”, além de “O Primo Basílio”. E, enfim, “the one and only”: “Vale Tudo”, para mim a melhor das telenovelas. Tem a cena antológica da prova do vestido de noiva — Regina Duarte, Glória Pires, Natália Timberg e Beatriz Segall, divinas! —, mas a minha preferida é a doméstica Lucimar (Maria, la Gladys) voltando de Mar del Plata encarnando uma Odete Roitman paraguaia. “Ay, que aburrido!”, lamentava-se, sobre a pátria amada, a novíssima rica do jogo do bicho. Genial.
Entrevistei o homem, para “Interview”, enquanto ele escrevia “Água Viva” — ele deu um nó na minha pretensão foca-universitário-da-USP, pronto para acusá-lo de autor alienado. Depois, para “Vogue”, em uma edição “de autor” — nossa directrice, Regina Guerreiro, fez uma fotonovela editorial de moda roteirizada por ele – e me diverti piscinas, conversando com ele no jantar de lançamento, no Hippo. Mr. Braga até me confidenciou quem teria sido a matriz para a criação de Odete Roitman, sentada em uma mesa próxima… Por acaso, era também meu aniversário de 30 anos, mas isso não tem a menor importância. Nossa última conversa foi por telefone, quando ele amargava seu único flop, “Babilônia”, e eu estava em “Veja”. Conversamos sobre as referências para a trama, que iam da velha Hollywood até o novelão yuppie “Dinastia”. Resumo da ópera: valeu, seu Gilberto. Arrasou!
Mário Mendes é jornalista, paulistano e ama o Rio. Passou pela Interview (duas vezes), Folha de S. Paulo, Vogue, IstoÉ, Elle, Trip e Veja. Atualmente é freelancer enquanto espera a pandemia passar.