Em setembro de 2020, fiz 60 anos e experimentei minha primeira fila de prioridade. É como anúncio do sutiã da Valisere: a gente nunca esquece. Foi na zona. Uma mocinha de top e shortinho, piercing, mascando chiclete, aproximou-se e perguntou: “E aí, tio? Tudo em cima?” “Tudo” — respondi, estendendo meu título eleitoral. Ela falou: “Me acompanha”. Fomos pra mesa, penetrei na cabine e, tririlililim, fui embora, amarradão, vendo a fila na minha seção da Zona Eleitoral só aumentar.
Aí, li no jornal que um deputado estava alterando o Estatuto do Idoso para aumentar a idade limite para 65 anos, sob o acaciano argumento: “Não existe mais justificativa para dizer que uma pessoa com 60 anos é idosa. A cada dia que passa, vemos mais pessoas atingindo essa idade”. O gênio não se deu conta de que, a cada dia que passa, vemos também mais pessoas atingindo 70, 80, 90…, mas morri de medo de tentar novamente me prevalecer da nova idade e ser barrado, ou, sei lá, filmado e preso. Nunca mais ousei me priorizar!
Até que veio a vacinação. Reencontrei alguns frequentadores da zona. Sessentões grisaparafinafos de bermudas havaianas, sandálias idem e pranchas de surfe debaixo do braço. A única dificuldade de locomoção de todos esses coroas era enfiar a chave no cadeado das bicicletas (isso, aqueles que esqueceram os óculos); outros, se os óculos não embaçassem por causa das máscaras.
Apesar do distanciamento, percebi que, do headphone Sony Sports do cabeludo prateado à minha frente, soava Rastaman Vibration, de Bob Marley. O papo rolava animado: “Tem Pfizer, Corona ou Astra?”; “Já é avô?”; “Soube que fulano morreu?”; “Como está seu joelho?”.
As mulheres da fila prioritária estavam usando perfume Patchouli, ou aquele aroma era de maconha mesmo? Só falavam o seguinte, uma para a outra: “Nossa, você está ótima!”
Essa prioridade foi compulsória, mas vem aí a dose de reforço, e novas eleições… Estou confuso: é 60 ou 65? É Astra, Pfizer ou Corona? Mas acima de tudo, que venha uma terceira via antes que vocês entrem na terceira idade.
Helinho Saboya é advogado em tempo integral, chef eventual, bem-humorado e adora gastar muito tempo com cachorros.