Da janela lateral, eu olhava para os manguezais do lado de fora da pista do Aeroporto Tom Jobim, pouco antes de o avião decolar. Lembrava-me de minha mãe, napolitana, chorando, junto do meu pai, no portão do prédio em Copacabana, e das ameaças que me obrigavam a fugir do Brasil naquele junho de 1990.
Passava-me pela cabeça se valia a pena, naqueles minutos antes da decolagem para a Alemanha, tamanho sofrimento pessoal e familiar em relação à proteção dos manguezais da Baía de Ilha Grande.
No fundo, a grande maioria dos amigos e inimigos me achavam lunático, um tipo de jovem biólogo romântico, fadado a desaparecer em algum momento, curvando-se às regras aparentemente imutáveis de uma colônia de exploração.
Com alguns dólares dados pelo amigo Romero (no caso de dar alguma encrenca durante a fuga), lá fui eu para aquela viagem insólita, em que o mais difícil era explicar para os alemães que assistiam às minhas palestras que eu fugia do Brasil, exclusivamente, por cumprir as leis ambientais. Felizmente contava com muitos brasileiros residentes, que gastavam muitos minutos explicando o contexto cultural de Pindorama.
De lá para cá, passaram-se trinta e poucos anos; de ameaçado, atualmente sou processado pelos que se incomodam com minha atuação em defesa do ambiente. Sob certo ponto de vista, evoluímos apesar de o objetivo, de uma forma ou de outra, continuar sendo a intimidação daqueles que se opõem à degradação, independentemente de quem seja o elemento causador.
Apesar das dificuldades, sempre senti que a trilha tinha coração; consequentemente, persegui o rastro deixado.
Não busquem motivações técnicas para tamanha obsessão, pois, normalmente, não há motivação científica que justifique pôr sua vida em risco, principalmente num país como o Brasil, considerado um dos mais perigosos para profissionais que lidam sério com o ambiente. Uma vergonha mundial para um país megadiverso!
Talvez outras motivações, alheias aos modelos matemáticos, justifiquem tamanha obstinação: o signo de Câncer, a Lua como regente e também responsável pelas marés, o meu nome (junção de mar e rio), um dos locais preferidos do manguezal ou ainda a Baía de Ilha Grande, onde o encontrei, pela primeira vez, nos mergulhos no rio Ariró, em busca de tainhas, pouco antes de escolher, por impulso, no ano de 1982, ser biólogo.
Destaco que é “ser”, e não “estar” biólogo — talvez o principal motivo por defender, diante de todo tipo de delinquência ambiental, os manguezais, fábricas de vida da zona costeira.
Fato é que o tempo passou, alguns milhões de metros quadrados de manguezais foram protegidos, tantos outros recuperados, e aqui estou com meus 57 anos, dando uma olhada pelo retrovisor, entusiasmado e também temoroso com o que podemos ter pela frente.
Sem dúvida, a facilidade de degradar manguezais foi bastante reduzida. Não que tenha sido totalmente neutralizada, mas não há como negar que as coisas andam um pouco mais complicadas para a delinquência.
Mas, afinal, para que proteger os tais manguezais?
Inicialmente, porque os manguezais no Brasil são ecossistemas protegidos integralmente por leis federais, estaduais e municipais. Portanto, é uma questão legal, e quem se omite diante de sua degradação está prevaricando, isto é, cometendo crime e tornando-se cúmplice! Sei que, no Brasil, isso é quase uma regra quando temas econômicos falam muitíssimo mais alto. No entanto, por formação, reitero minha convicção no que está escrito nas leis e luto pelas regras de proteção de fato, independentemente de quem seja o delinquente — questão de escolha de lado!
Fora isso, o manguezal funciona como maternidade, creche, supermercado, filtro das águas e da atmosfera, sequestrando quatro vezes mais e acumulando dez vezes mais carbono, em média, do que qualquer outro tipo de floresta; além disso, protege a costa de processos erosivos. E, por manter a biodiversidade marinha, é fundamental para a pesca artesanal, comercial, esportiva como também para o ecoturismo costeiro, que depende de águas limpas.
Aí volto mentalmente para aqueles anos românticos e perigosos na Prefeitura de Angra dos Reis, enquanto ouço Beto Guedes e Flávio Venturini. Lembro-me da produção de mudas de mangue dentro do apartamento de meus pais, em Copacabana, dos plantios solitários na praia da Chácara (Angra dos Reis) e nas margens da Lagoa Rodrigo de Freitas (Rio de Janeiro), e de tantos outros que se sucederam nessas três décadas de plantios e combates a favor dos manguezais.
O Dia Internacional dos Manguezais é 26 de julho — um dia isolado num universo de recordações e expectativas, em que, aos poucos, vejo ainda, de longe, a possibilidade de avançarmos de forma consolidada na ampliação do ecossistema na Baía de Guanabara, visto que não há mal que dure para sempre. Muita coisa, irremediavelmente, perdeu-se pelo crescimento urbano, mas podemos criar as condições ambientais para ampliar e compensar o que foi perdido.
Eu garanto, enquanto continuo lembrando, da janela lateral daquele voo em 1990, todos os sentimentos que me conduziram onde hoje estou.
Feliz dia de um canceriano para meus queridos manguezais!