O controle da opinião pública e dos rumos da sociedade, pela supressão das verdades inconvenientes e repetição exaustiva das que têm de prevalecer, é tão antigo quanto a história da civilização. Não por outro motivo, esta última sempre foi e, até segunda ordem, continuará a ser escrita pelos poderosos da vez. Novos, no caso, são os avassaladores dinamismo, abrangência e rapidez conferidos pela tecnologia ao processo, que os encantadores das massas, exímios malabaristas da palavra, preferem chamar de “gestão de narrativas”.
O resultado até aqui, parece-me, não poderia ser mais desastroso para o interesse comum. Fato é que, se, até há bem pouco tempo, a pessoa desejosa de um mínimo de entendimento sobre o que se passa ao seu redor podia contar com diferentes pontos de vista antes de decidir em qual depositar sua confiança, hoje, para praticamente qualquer assunto relevante, ela será obrigada a escolher entre algumas poucas verdades definitivas, autoexcludentes — ou a coisa é assim, ou é assada, e estamos conversados.
Em sua ininterrupta algazarra, as redes sociais, longe de proporcionarem a desejável diversidade de ideias, respeito pelas diferenças e enriquecimento da massa crítica coletiva, pouco a pouco deletam os tons de cinza da vida real, que hoje, em geral, se vê reproduzida de forma binária e com tintas fortes, praticamente suprimindo pela raiz o indispensável exercício da reflexão. E a humanidade avança mansamente, embora cheia, como nunca, de convicções, tangida no doce balanço dos interesses próprios de atores que raramente dão o ar da sua graça, mas, dos bastidores e por meio de prepostos nos negócios, na política, na religião e nas comunicações, comandam os destinos dos bilhões que coabitam nosso castigado, resiliente hábitat.
O leitor mais aflito, temeroso quanto ao futuro legado para as próximas gerações, me perguntará: será então o fim dos tempos essas realidades artificiais sistematicamente inoculadas em nossas cabeças? De jeito nenhum, prefiro acreditar, até porque a esperança é a última a morrer. Pois esses mesmos recursos que tanto vêm facilitando a vida dos senhores do universo, como se rebelados ante o inglório papel para o qual parecem escalados, começam a trabalhar na via inversa, fornecendo a quem tiver redes pessoais confiáveis e o cuidado de selecionar com mais rigor suas fontes um fluxo formidável de informação e de análises da melhor qualidade.
Esse baile pela verdade dos fatos — jogo de forças por tradição cruel e desigual — é um dos temas centrais de meu recém-lançado livro, “Para o bem ou para o mal”. Torço para que um dia possamos decidir, sem tanta interferência indevida, qual a música e com quais pares queremos dançar. A tecnologia está aí para isso mesmo — só depende de nós.
Luiz Fernando Brandão é escritor e jornalista, tradutor de autores, tais como: Edgar Allan Poe, Jack London, Vladimir Nabocov e Tom Wolfe. Autor de “Triptik, uma viagem na terra dos gurus e outras bandas” (Confraria do Vento, 2017) e “Para o bem ou para o mal” (Gryphus, 2021), sua estreia na ficção, com prefácio do publicitário Washington Olivetto. Em 1976, formou-se como instrutor no The Yoga Institute, em Mumbai, na Índia.