Em meio a tanto desânimo, à paralisia na área cultural, com os artistas sofrendo sem poder exercer seu ofício devido à pandemia, à crise, à falta de verba e ao fechamento dos teatros, fiquei me perguntando o que eu poderia fazer artisticamente. Como seguir fazendo teatro num momento tão árido? Conversei com a atriz Ana Paula Novellino, e contei a ela que, depois de ser obrigada a mudar de hábitos na pandemia e fazer teatro para lives do Instagram e para o Zoom, eu desejava voltar ao palco. Estava com saudades do teatro presencial, mas não faria isso, pois ainda não há condições neste momento, tampouco haveria público. Seria muito frustrante. É isto: nós, artistas, andamos abatidos e tentando saber como prosseguir. A covid acabou com nosso trabalho, mas não com a nossa inquietação. Em momentos de crise, ficamos mais ativos do que nunca, mas, ao mesmo tempo, não podemos estar fisicamente no teatro.
De repente, veio-me a imagem de artistas sentados num sofá, olhando para um teatro fechado sem poder exercer seu trabalho, fora do palco, que é como estamos vivendo e… eureca! Resolvemos fazer o “Não-Espetáculo”. Toda quarta-feira, às 17h, vamos chegar com nossas cadeiras debaixo do braço, eu e Ana Paula, e nos sentarmos na porta de um dos teatros fechados do Rio, e não fazer teatro. Isso mesmo. Ficaremos lá sentadas durante uma hora, não fazendo um espetáculo. Não vamos fazer nada, exceto conversar sobre como tem sido não fazer teatro neste período obscuro. Vamos colocar um despertador para encerrar e, uma hora depois, vamos para casa. É uma provocação artística pela impossibilidade atual.
O “Não-Espetáculo” é o caminho possível, não depende de patrocínio, não pode ser cancelado, não pode ser censurado. É à prova de qualquer frustração. Pronto, conseguimos inventar um teatro ‘infrustrável’, que foge a qualquer possibilidade de limitação e cerceamento. É um grito de liberdade.
A performance acontece na porta desses palcos, porque eles ilustram o horizonte fechado que nós, artistas (e tantos outros), temos enfrentado para seguir criando. Também convidamos artistas que desejam não fazer o espetáculo com a gente: basta agendar no @naoespetaculo. São até dois convidados por sessão.
Com a performance, quero chamar atenção para a atual dificuldade desse setor e promover reflexão e, quem sabe, também ação. Foi uma forma de soprar esperança e converter em ato artístico. Criamos o “Não-Espetáculo” para dar um olé na imobilidade artística e provar que, mesmo em solo infértil, a arte ainda brota.
Cristina Fagundes é carioca, atriz, autora e diretora. Indicada como Autora ao Prêmio Cesgranrio de Teatro 2019 pelo texto “A Vida ao Lado” e como Diretora no Prêmio Shell 2019 pelo mesmo espetáculo. Desde 2017 escreve para Multishow, nos programas “Xilindró”, “Treme Treme” e “Baby e Rose” — duas temporadas de cada um. Idealizadora e autora do Projeto de Nova Dramaturgia e Encenação Clube da Cena, com mais de 40 esquetes encenadas desde 2008. A primeira apresentação de “Não-Espetáculo” acontece nesta quarta (19/05), na porta do Gláucio Gill, em Copacabana, a partir das 17h.