No futuro você terá que explicar às novas gerações o que era bloquear alguém. Não no vôlei, mas numa rede social.
Seus bisnetos vão parar a brincadeira de teletransporte e ficar, impacientemente, esperando que você termine a lengalenga de como era seguir, dar laique, dar bom dia no zape, cancelar, xipar, lincar, tuitar, postar no insta. Todos com a mesma cara incrédula que seus filhos fazem hoje quando você conta do ICQ, das comunidades do Orkut, do som de conexão do modem e da aventura de piratear arquivo pelo Napster.
— A bisa é uma brasa — dirá Clotilde para Adamastor (sim, esses nomes vão voltar à moda, e “brasa” será gíria para “lelé da cuca”).
Eles só vão ter certeza de que você pirou de vez quando chegar na parte do bloque.
— Então alguém ia na sua “página”, escrevia o que bem entendia, te xingava e você matava a pessoa?
— Não, Adamastor. A bisa não matava ninguém. Só dava um comando…
[Clotilde, Adamastor, Olegário e Capitolina trocarão olhares, imaginando um campo de batalha holográfico e as tropas estelares em ordem unida, à espera de um sinal para atacar.]
— … e a pessoa não podia mais me perturbar.
— E o que acontecia com ela, bisa? Era desintegrada? Presa num cubo de hidrogênio e colocada na órbita de Plutão até aprender, como a gente faz com os políticos agora em 2081?
— Nada. Ela continuava escrevendo o que quisesse, só que na página dela ou na de outros que ainda não a tivessem bloqueado — não na minha.
— Ah, bom. Era só um “Do not disturb”, então — há de suspirar Casemiro, que ouviria de longe a conversa, sem conseguir se concentrar na leitura de um e-book impresso, e de capa dura [última moda nos anos 80 do século 21].
— Mas sempre que a gente fazia isso, a pessoa ficava possessa. E saía cuspindo marimbondo, reclamando que eu era intolerante, que ela não tinha feito nada, que isso e que aquilo.
— Mas ela podia continuar fazendo em qualquer outro lugar, né?
— É. Mas na página dela ninguém via. Por isso ela ficava indignada de não poder vir fazer na minha.
— E quanto ela pagava para usar a sua página?
— Nada. Era de graça.
Capitolina vai menear a cabeça, e lembrar que Olegário bem que tinha dito que você estava meio lesa [“lesa” vai significar “lesa” mesmo]. Clotilde e Adamastor voltarão para o jogo de teletransporte, pensando em como seria bom poder bloquear todos os chatos e ficar livre de quem incomoda, neste e em todos os universos paralelos.
— A bisa pode estar inventando isso — sussurrará Clotilde, antes de se teletransportarem para a cozinha.
— Claro que está inventando! Lembra quando ela contou que tinha gente que comprava calça rasgada? Que praticava uma religião chamada crosfite? Que publicava gráfico errado porque achava que assim uma doença com nome esquisito ia acabar?
— Essa coisa de bloque só pode ser lenda, delírio da cabeça dela.
— E a pessoa bloqueada cuspia o quê mesmo?
— Marimbondo, eu acho. Ou feiquenils, que era outra coisa que as pessoas cuspiam muito.
— Tadinha da bisa [Nota: Interrompemos o texto novamente para lembrar que a bisa é você. ] Agora bota a máscara, Adamastor, que a gente vai se teletransportar para o Brasil.