O ministro Edson Fachin surpreendeu o País ao anular as condenações impostas ao ex-Presidente Lula pelo juiz Sérgio Moro. Há que refletir sobre as repercussões de tal sentença, até a incompreensão por boa parte da população, já tão confusa em conectar eventos que provocam idas e vindas de decisões judiciais.
A primeiríssima impressão que a opinião pública registra é a inquietação provocada pelas múltiplas mudanças de sentenças consideradas passadas em julgado, concorde-se ou não com elas. Não só a opinião pública tinha como definitiva a condenação de Lula, depois de confirmada pela segunda instância de Porto Alegre.
De repente, um solitário ministro Fachin, ao analisar não propriamente o mérito da condenação, senão a localização e origem técnicas das 1ª e 2ª instâncias, anula o processo, para remetê-lo a novo julgamento em Vara Federal em Brasília, pondo abaixo os meses/anos de investigações e trabalhos elaborados em Curitiba.
A alegação de Fachin, possivelmente acertada nas suas firulas técnico-jurídicas, incidia nas origens do foro de Curitiba, exclusivamente destinado, segundo ele, a julgar os desacertos da roubalheira na Petrobras por quadrilha envolvendo políticos de diversas matizes e empreiteiras poderosas; ou seja, tríplex de Guarujá e sítio de Atibaia não estariam circunscritos aos escândalos da Petrobras. Boa parte da opinião pública, em entrevistas com populares que vi nos telejornais da noite, perguntava pela cadeia de responsabilidade: “Mas onde fica a influência indireta do próprio presidente em relação à estatal espoliada?”
Ainda assim, o outro lado da moeda também pode impor-se: e se Lula não tivesse insinuado a Marcelo e Emilio Odebrecht qualquer ajuda para reformar os dois imóveis, os da praia e do campo? Ou mesmo o Instituto Lula?
O fato concreto é o entendimento do que diversas instâncias jurídico-institucionais já confirmaram recursos contra e a favor da decisão de Fachin, sendo instado pelos dois lados para encaminhar sua decisão monocrática ao plenário da corte. Outra inquietação da opinião pública é o linchamento e o descrédito impostos ao juiz Moro, avalista da moralidade do governo Bolsonaro na primeira hora, além de sinônimo, por anos a fio, da luta contra a corrupção. Negar isso? Quase impossível.
Passo de imediato às repercussões políticas, ao menos as mais visíveis, por exemplo, a declaração do presidente da Câmara dos Deputados, condenando Moro e isentando Lula.
A indecisa disputa para presidente em 2022 aclara-se hoje de modo atordoante e inesperado.
Lula, que pretendia lançar Haddad outra vez, como por encanto, aparece como fortíssimo candidato a enfrentar Bolsonaro.
Os cenários políticos são:
1- Para Lula, é positivo, ao menos por analistas da BBC de Londres.
2- O mito Lula volta galardoado pela absolvição.
3 – Será ele o candidato perseguido, que sangrou por quase um ano na prisão.
4- Terá a seu favor a memória dos altos índices de aceitação nos dois mandatos. Acresce ainda o que psicólogos avaliam como reparação de eventuais injustiçamentos, o que, segundo eles, fazem chover votos nas consideradas vítimas.
O cenário para Bolsonaro é negativo, de acordo com os mesmos analistas. Por quê?
1- Bolsonaro vem caindo na avaliação de seus antigos eleitores de 2018 pelo exercício de sucessivas políticas erráticas, a principal das quais foi se incompatibilizar com a classe média que o elegeu, adotando como acólitos pequenos guetos de fanáticos que se postam às portas do Alvorada em busca de declarações inconvenientes.
2- Bolsonaro não é mais a opção contra o PT. Passa a enfrentar o mito mais sólido e detentor de razoável afeto do povo. Seu adversário passa a ser o “Mártir Lula”.
3- A péssima gestão de quase todas as vertentes político-administrativas de seu governo, em especial o desastroso desprezo à pandemia, acumulado com as mortes e as falhas de organização de saúde pública no Brasil.
4- Bolsonaro se incompatibilizou com meio mundo, brigas a não acabar com a imprensa, os artistas, os intelectuais.
5- A manutenção de figuras impopulares no governo, sobretudo nos itens ecologia (Amazônia e Pantanal), relações exteriores. Mais ainda, a falência na Saúde.
6- Investigações contínuas sobre seus filhos, acusados de corrupção.
7- Comportamento inadequado à solenidade do cargo, proferindo expressões chulas e xingamentos.
8- Abandono da luta contra a corrupção, contra Moro e a favor da adesão ao Centrão.
9- Adesão ao corporativismo de segmentos eleitorais seus (PMs, Bombeiros etc). E finalmente o assombro da volta da inflação. Além da ausência das reformas estruturais.
Em resumo, entre uma esquerda cautelosa titularizada por um mártir e uma legenda pública, e um presidente que acumula desgastes sucessivos, muito em especial a gestão da pandemia, analistas ingleses asseguram que os votos estarão ao lado do primeiro.
Ricardo Cravo Albin é jornalista, historiador, pesquisador musical e criador do Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, que tem mais de sete mil verbetes e referência na área musical.