Nos últimos 83 dias (25/03), desde que assumi a Secretaria Municipal de Assistência Social, tenho tentado superar obstáculos quase intransponíveis nestes tempos difíceis no nosso Rio.
Atendemos a população mais vulnerável da sociedade, as invisíveis, as que sofrem abuso sexual, abandono, maus-tratos. Pessoas com dificuldades tão extremas que os que se aglomeram em bares e praias não conseguem compreender. Elas não têm diversão e, neste momento terrível de pandemia, na maioria das vezes, têm fome; muito menos têm dinheiro para comprar máscaras ou álcool em gel. São as que, no momento da doença, contam somente com o SUS, graças a Deus, ainda um dos mais eficientes sistemas públicos de saúde do mundo, mas que, na última semana, está com fila para as UTIs de Covid-19.
Estamos vivendo o pior instante da pandemia, e a única saída do prefeito Eduardo Paes foi decretar um período restritivo de pelo menos dez dias. Isso salvará milhares de vidas – 900 mil pessoas vulneráveis ( 14% da população) – contarão com o Auxílio Carioca, mais de 230 mil delas, responsabilidade da Assistência Social.
Cuidamos de idosos que vivem sozinhos, crianças e adolescentes vulneráveis, população de rua engrossada pela pandemia. Quando as ruas se esvaziaram, em março do ano passado, os que ficavam encobertos por marquises e pela indiferença alheia passaram a ser enxergados de alguma forma. Essa é uma das minhas angústias: só podemos acolher os que aceitam os nossos serviços, e ninguém merece viver assim. Em janeiro, no primeiro dia útil de trabalho, próximo à Igreja da Candelária, conversei por um bom tempo com um homem barbudo e com olhar infinitamente triste, encolhido numa tábua de madeira, até conseguir convencê-lo de que, indo para o abrigo, ele teria mais chances de mudar de vida.
Conversei com muitos outros, e continuamos firmes no trabalho, conseguindo com que os atendimentos a essa população aumentassem 20% já nos primeiros 70 dias, três vezes mais do que se previa.
Já fui a muitas das nossas 120 unidades; muitas me emocionaram. A precariedade do Dina Sfat, abrigo de idosos, tinha que ser resolvida imediatamente. Lembramos que encontramos vazios os cofres da Prefeitura, e pedi ajuda à iniciativa privada e à sociedade civil. A Fecomércio está fazendo a reforma desse abrigo e também fará a do complexo da Ilha do Governador e de outros dois. Empresários locais estão colaborando com reformas em unidades em Jacarepaguá e no Méier.
Para as crianças acolhidas por assistentes sociais com dedicação impressionante, já conseguimos inaugurar uma nova unidade, o Espaço Cazuza, com Centro de Formação para a Primeira Infância. Era a sede da Sociedade Viva Cazuza, doada pela mãe do artista, Lucinha Araújo. Para oferecer inspiração e alegria aos abrigados, o artista Tomaz Viana, o Toz, desenvolveu uma nova identidade visual para o espaço, inaugurando o projeto Arte nos Abrigos. Outros artistas farão a identidade visual de outros abrigos.
Queríamos um cuidado ainda muito maior com a alimentação nos abrigos, tanto que, pela primeira vez na história do município, elaboramos o 1º Plano de Segurança Alimentar e Nutricional do Rio de Janeiro. Cada item do cardápio é escolhido com carinho pelas nossas nutricionistas.
Começo a trabalhar mal clareia o dia, não paro antes das 22h pelo menos. Só vejo minha filha bem cedinho; há muito mais a fazer. As cenas a que estávamos assistindo antes, no dia a dia da Assistência Social, nos impulsionaram a esquecer o cansaço. Imaginem que tive que decretar uma intervenção branca na Rio Acolhedor, onde estavam quase 300 homens e apenas 18 mulheres! Elas foram levadas para abrigos femininos, claro!
Atravessamos uma noite para criar o Resenha Contra Covid-19, para que líderes comunitários levassem a prevenção à doença às ruas de favelas, bares, bailes, combatendo as terríveis fake news.
Sou completamente apaixonada pela minha cidade e quero continuar não tendo hora para conseguir fazer tudo o que posso nestes dias tão duros. Os invisíveis, muitas vezes, apenas incomodam os que os enxergam nas ruas. Essa gigantesca dívida social ainda está muito longe de ser compreendida e de ser saldada. Junte-se a nós! Além de vários outros projetos inovadores, vamos envolver os voluntários do Rio que, nesta época de incertezas, quiserem ajudar a manter acesas a fé e a esperança.
Laura Carneiro é carioca, advogada, formada pela UERJ. Exerceu três mandatos de vereadora e quatro de deputada federal pelo Rio. Atualmente é secretária Municipal de Assistência Social, convidada pelo prefeito Eduardo Paes.