Quando existe uma surpresa, uma improbabilidade, algo desagradável, uma vontade de se dar um basta, falamos “Mas será o Benedito?” Também, quando o outro não faz o que queremos ou cria situações de embaraço, lá vem a pergunta de novo. Impaciência com um misto de aborrecimento é seguir a trajetória quando dependemos do outro. Essa relação que nos obriga a conviver, admitir, uma troca sem troca, aparentemente centrada em alguma espécie de contrato de prestação de serviços, é o eixo de “Benedita”, o premiado solo de Bruno de Souza.
O fio condutor são os “causos”, que, da forma mais brasileira possível, que a lavadeira Benedita conta quando retira as roupas das trouxas, entende-as e amassa-as. São trapos, tecidos carcomidos, roupas de todas as idades, de diferentes ocasiões. Em cada pedaço, uma história diferente, apanhados de momentos. Os caminhos e destinos de personagens que não estão fisicamente no palco, mas se presentificam pelo figurino que nos dá a perfeita noção do físico, da personalidade.
Bruno alia, em sua interpretação, dois elementos dificílimos em qualquer trabalho de ator: a expressão corporal e o registro vocal. Benedita é uma lavadeira, ainda que sem precisão de detalhes, tais como idade, época em que se passa a ação; por isso, carrega a trouxa às costas — uma metáfora do peso de tudo que viveu. Em um belo esforço, Bruno fica curvado o tempo todo, andando devagar, hesitante, cansado, lento. Apesar da posição, a emissão da voz é perfeita.
Para mostrar a brasilidade, essa capacidade de conviver com o outro de forma íntima, próxima, mas, ao mesmo tempo, respeitosa e subalterna, o sotaque do interior, Bruno utiliza o registro feminino com as notas de uma voz gasta. Tudo em “Benedita” é velho, dolorido, esforçado, que vai trocando-se daqui para ali. Em um seis por meia dúzia permanente, Benedita é traída, mas o destino também engana os personagens; só a plateia não é enganada. Bruno faz uma mulher com tal propriedade, que, quando tira os adereços e vemos que é um homem jovem, ficamos agradecidos à magia do teatro. E a nossa resposta para a pergunta “Será o Benedito?”: que beleza de espetáculo!
Serviço:
Teatro Laura Alvim, Ipanema
Horário: sextas e sábados, às 20h.
Vendas: Sympla ou na bilheteria do teatro (Av. Vieira Souto, 176)