Estudo a energia e faço dela meu meio de vida há décadas. Meu fascínio maior decorre de seus aspectos antropológicos, históricos e ambientais, que superam, e muito, fatores técnicos. No mundo contemporâneo, o petróleo protagoniza conquistas, guerras, grandes crises econômicas e geopolíticas. Estudar a história do petróleo é estudar a evolução da humanidade nos últimos 150 anos. Para mim, sob esse corte, estudo a História.
Há quase 70 anos, o petróleo é um dos fetiches políticos da sociedade brasileira; sua história é fascinante e extrapola aspectos técnicos.
Desde o movimento “O Petróleo é Nosso” — até, há pouco tempo, considerado o ouro negro —, movimentou nossos automóveis, as indústrias e a política nacional. Quando criada, a Petrobras ganhou o monopólio legal (e depois constitucional) de praticamente toda a cadeia petrolífera. Em 1995, uma Reforma Constitucional quebrou esse monopólio, abrindo o mercado para empresas privadas de todo o mundo.
No entanto, se, na exploração e na produção de óleo e gás, houve uma grande afluência de empresas, nas refinarias, de onde saem os derivados de petróleo, o monopólio permaneceu intocado.
É aí que nasce a confusão. Sendo uma empresa controlada pelo governo e dona absoluta do mercado da gasolina, do diesel e do gás de cozinha, dentre outros, a tentação de governos de fazer populismo através de preços é inevitável. Quem não gosta de gasolina barata?
Desde os primórdios, descritos no início deste texto, diversos governos se valeram desse expediente, buscando agradar ao consumidor-eleitor, e levando a Petrobras à beira da bancarrota em diversas ocasiões, com o seu ápice de irresponsabilidade tendo ocorrido no governo Dilma II.
As administrações, cientes de sua responsabilidade em relação à “saúde” da empresa e de respeito a seus acionistas, aplicaram políticas de preços alinhadas às das grandes companhias planetárias. Em resumo, sendo o petróleo e derivados commodities, seus preços são aqueles praticados nos mercados mundiais. Essa é a vida de uma companhia de petróleo. Quem pensa o contrário, sugiro conhecer a história da PDVSA, a companhia de petróleo da Venezuela.
Todo esse trololó serve para justificar que uma Petrobras saudável deve ser a principal meta do País. Todo cidadão brasileiro, direta ou indiretamente, é um sócio da empresa. Quando ela gera dividendos, impostos e investimentos, todos os cidadãos ganham.
O problema de segmentos específicos, como o dos caminhoneiros, se existe, deve ser resolvido pelo governo. Não se mistura empresa com interesse de governo; em termos corporativos, esse interesse não pode configurar-se como uso privilegiado do acionista principal.
Além do mais, a sociedade não pode ficar refém de uma categoria que se impõe por conta da essencialidade de sua atividade. Existe uma sobreoferta de fretes, decorrente de um número excessivo de caminhões e da economia que se arrasta ao longo dos anos.
Outro aspecto relevante é o estabelecimento de subsídios a combustíveis fósseis, em detrimento de formas menos poluentes, colocando o Brasil na contramão do que ocorre no mundo, na dura batalha contra o aquecimento global.
Portanto, para quem chegou até aqui, meu recado é um só: o governo é governo, a empresa é a empresa. Uma Petrobras bem gerida significa geração de riquezas para toda a sociedade; sua atividade já é intrínseca e naturalmente voltada ao desenvolvimento. Na minha opinião, deturpar a finalidade da maior empresa do Brasil seria uma atitude contra os melhores interesses da sociedade.
David Zylbersztajn é engenheiro mecânico, doutor em Economia, professor da PUC-RJ, presidente do Conselho de Administração da Light. Foi secretário de Energia do Governo de São Paulo e o primeiro diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo.