O Rio poderia ser chamado, internacionalmente, de “Shitland” ou, aportuguesando, Bostolândia.
É uma cidade cercada por esgoto, sitiada por coliformes, por boa parte de seu litoral. Independentemente de ser ponto turístico ou não, em detrimento da turminha de sempre, que se beneficiou da degradação sistêmica, é esgoto por toda parte.
Pode ser nos extremos sociais e econômicos da praia de Ramos como da Barra da Tijuca, o resultado da delinquência ambiental é o mesmo: esgoto na água.
Todas as oportunidades de melhoria da qualidade do saneamento, associadas aos megalomaníacos eventos, foram desperdiçadas. Simplesmente, não houve vontade política tampouco pressão da turma que paga e não leva, para que as coisas melhorassem.
Alguns exemplos explícitos:
Baía de Guanabara — palco de vários projetos de recuperação ambiental, saneamento etc. e tal, consumindo coisa da ordem de US$ 2 bilhões (cerca de R$ 10 bilhões) desde 1994; e, hoje, em 2021, o que temos em linhas gerais? No entorno da grande latrina da Guanabara, um depósito de obras de saneamento inacabadas que não disseram a que vieram. Estações de tratamento de esgoto subutilizadas, não utilizadas, apodrecendo no tempo, tubulações coletoras de esgoto estocadas, onde até florestas se formaram dado o tempo de abandono – mesmo abandono de inúmeros equipamentos das estações de tratamento que, para serem recuperados, vão exigir mais dinheiro. Dinheiro fácil, dinheiro sem cobrança de resultados ambientais factíveis; enquanto isso, praticamente toda a bacia hidrográfica é transformada em valão de esgoto sem vida.
Destacam-se, nessa baía, que as enseadas de Botafogo e da Glória são cartões-postais fecais internacionais da Bostolândia.
Baía de Sepetiba — repete os mesmos passos de sua irmã mais famosa, com crescimento urbano desordenado e falta de saneamento universalizado, onde sua bacia hidrográfica, aos poucos, vai se tornando profundamente degradada, exportando essa degradação para a baía, que vai perdendo em biodiversidade.
Praias oceânicas — de Copacabana, com suas línguas negras históricas, passando pelas praias de Ipanema e Leblon, com seus eternos problemas associados com o esgoto que escorre dos canais do Jardim de Alah e da Avenida Visconde de Albuquerque, entra ano, sai ano, tudo continua na mesma, com curtos períodos de melhora e sempre com a recomendação de não encarar o mar após as chuvas, pelo menos, por 48 horas. Imagine uma cidade turística com esse tipo de alerta!
Em São Conrado, temos o aporte monstruoso de todo tipo de resíduos que escorre da Rocinha junto do esgoto após as chuvas. Antigamente, essa situação inundava a praia local bem em frente aos hotéis da região. Visando resolver a situação, nossos “experts” governamentais gastaram uma fortuna para lançar o esgoto por meio de um canal escavado na pedra do costão da Avenida Niemayer. O único problema é que se esqueceram de combinar com Iemanjá de não devolver todos os dejetos por meio das ondas que, preferencialmente, trazem tudo para a praia novamente. Mero detalhe.
Na praia da Barra, no trecho quebra-mar e Pêpê, além de esgoto o ano inteiro, principalmente na maré baixa, no verão, temos um upgrade associado com cianobactérias que, apesar de potencialmente poderem gerar de dermatites até câncer de fígado, a turma não está nem aí para o assunto. Portanto, tudo como se nada estivesse acontecendo.
Lagoas costeiras — o sistema lagunar de Jacarepaguá, o maior passivo ambiental exclusivo da cidade do Rio de Janeiro, entra ano, sai ano, tem sua situação ambiental agravada pelo volume monstruoso de esgoto que é lançado, de forma criminosa, por toda a bacia hidrográfica local. São lagoas assoreadas, sufocando, em milhões de metros cúbicos de sedimentos, resíduos e esgoto, de forma amplamente “democrática”, onde todos os setores sociais e econômicos têm o amplo direito de degradar, geralmente sem serem incomodados.
Jorra esgoto das favelas como das áreas residenciais mais privilegiadas, de hospitais e centros comerciais. Todos, sem exceção, têm o direito de “adubar” as lagoas, mesmo que, com isso, desvalorizem o metro quadrado, ataquemos a qualidade de vida e conduzamos várias espécies ao extermínio. Tudo pelo “direito de se dar bem” de alguma forma.
Tudo certo, desde que renda algum para cada delinquente envolvido com a degradação sistêmica. Assim é o raciocínio dos sociopatas de colônias de exploração amplamente aceitos pela sociedade bem-comportada.
Nem a lagoa Rodrigo de Freitas se salva. Passei este sábado (16/01), acompanhando mais um grande vazamento de esgoto que lançava milhares de litros de resíduos às águas da lagoa, por meio dos canais do Jóquei e General Gárzon. Nada de novo. Ponto conhecido de lançamento como de tantos outros, delinquentes conhecidos, vítima conhecida, notas protocolares conhecidas e aquela malandragem também para lá de conhecida, onde quem provocou o problema tem certeza que não “pega nada”.
Só não me venham com hipóteses conspiratórias se morrerem peixes na lagoa, visto que a receita para as mortandades já são bem conhecidas há décadas: verão, estratificação, pouca renovação e esgoto.
Em resumo, uma cidade turística que recebeu dezenas de bilhões de reais associados aos eventos megalomaníacos, cujo principal ativo econômico e ambiental é associado com a água, com suas praias e demais ecossistemas costeiros, trata o assunto de forma historicamente criminosa, em que as diversas castas que se beneficiam da degradação pouco são incomodadas. Afinal, que mal há em degradar se render algum?
Passam-se os anos, passam-se as eleições, passam-se os eventos com seus legados nunca cumpridos, e tudo continua piorando, em termos ambientais, nesse lugar que não quer deixar de pensar e interagir como uma colônia de exploração.
Assim é a Bostolândia.