Num dos livros mais gostosos do Monteiro Lobato, Emília decide fazer “a reforma da natureza”, e consertar o mundo. Quem nunca pensou em dar uma fotoxopada no planeta, fazer um lifting nas injustiças e uma lipo nas incongruências da Criação é porque não teve infância — ou não leu as aventuras do Sítio do Pica-Pau Amarelo, o que dá na mesma.
Eu nem precisava de um oitavo dia. Uma hora extra me bastava para dar uma boa melhorada.
Começaria colocando no pós-venda a gentilíssima moça que tenta me empurrar uma internet de fibra ótica — e traria para o telemárquetim aquela pessoa intratável que me atende quando ligo para reclamar que a joça não funciona.
Isso não só evitaria que eu voltasse para aquela operadora como, se tivesse uma recaída e esquecesse o trauma da experiência anterior, garantiria ser tratado com civilidade nas 2 mil vezes que ligasse para reclamar do serviço (até mudar de operadora e começar todo o ciclo de novo).
Colocaria no andar de baixo — nunca no de cima, como parece ser obrigatório pelas leis da Física — a vizinha que arrasta móveis. Eu é que iria pular corda na sala toda noite, usando tamanco, e jogar boliche no quarto a partir da uma da madrugada.
No meu mundo repaginado, a oposição é que governaria, fazendo o que deve ser feito e que só ela sabe como fazer. Ao eleito caberia inventar desculpas para não cumprir as promessas de campanha e pôr a culpa de tudo na imprensa — que é o que todo governo faz de melhor.
Os bons livros seriam intermináveis e aqueles que a gente tem que ler para fazer fichamento ou estudar para concurso seriam meros fascículos. “Emília no país da gramática”, por exemplo, teria uns 27 volumes.
O orgasmo viria antes das preliminares. Resolvia-se logo de cara a da lambança, e depois daria para curtir com calma, já de banho tomado, o mais excitante da história. (Nota mental: não esquecer que o nome teria que ser trocado para posliminares.)
Conheceríamos o gênio do/da/dx ex logo no início do relacionamento. Se, ainda assim, optássemos por levar a coisa adiante, é porque era paixão de verdade (ou caso psiquiátrico, o que nem sempre é fácil de distinguir). As pessoas iriam se mostrando a cada dia mais agradáveis e chegaríamos às bodas de ouro encantados e querendo que o outro se sente mais perto no sofá, fale um pouco mais de si e nos mande cartas (ou zaps) de amor.
Os governadores do Rio de Janeiro seriam presos antes da posse, de modo que não pudessem se apossar de nada. Seus vices seriam impedidos de assumir, e os presidentes da Assembleia Legislativa tampouco poderiam cometer nenhuma ilicitude, por já estar em Bangu ou Benfica — não, tornozeleira não resolve.
Os vírus só apareceriam depois de testada e aprovada a vacina. Apenas quem tem bom gosto gostaria de ouvir música no volume máximo. As pizzas — como as piscinas de rico — seriam sem borda (o que, paradoxalmente, se chama “de borda infinita”). A pessoa mais legal do prédio é que seria eleita para síndica. Abacaxi teria casca de mexerica. Gente bonita, inteligente e charmosa nos daria bola – e quem fosse ciumento, pegajoso, chato, mal humorado e desprovido de encantos naturais nos ignoraria solenemente.
Era basicamente isso. Sei que é preciso melhorar a questão da governabilidade do Rio de Janeiro, mas nem tudo neste mundo tem jeito.