A síndrome do esgotamento profissional, conhecida como Síndrome de Burnout, parece ter se tornado a epidemia paralela ao Covid-19. Sendo um fenômeno de massa e recebendo cada vez mais atenção dos veículos de informação, Burnout é uma das principais doenças que alastram os consultórios médicos. Segundo pesquisa da “Internacional Stress Management Association (Isma- BR)”, em 2018, 70% dos brasileiros sofriam da doença e, em pesquisa deste ano, 83% dos profissionais de saúde têm Burnout no Brasil — de acordo com dados da Secretaria Especial da Previdência e Trabalho, em um ano (de 2017 para 2018), houve aumento de 114,8% no número de afastamentos do trabalho por Burnout.
Burnout é o resultado do desequilíbrio do estresse crônico causado pelo trabalho, que não foi administrado corretamente, uma síndrome ocupacional. Durante esse processo do adoecimento, o indivíduo vai perdendo a capacidade de equilibrar a execução das suas demandas, apresentando exaustão física e mental. Trabalha como se estivesse cansado o tempo todo; é como se participasse de uma maratona e não tivesse tempo para descansar. Não é um estresse comum, mas crônico, em que o profissional acometido começa a se distanciar mentalmente do trabalho – aquilo que era o sonho de sua vida começa a não trazer mais felicidade. O trabalho vira seu maior pesadelo. E por causa do sentimento de negativismo, há uma redução da eficácia e produtividade profissional, criando um vale entre o profissional e a profissão, como se os dois não pudessem coexistir e se intercomunicar.
Muitos confundem Burnout com depressão. São doenças totalmente distintas, porém um paciente com a primeira pode ter a segunda, mas um paciente com depressão não pode ter Burnout. Isso acontece muito por causa dos sintomas de desesperança, negativismo, culpa, isolamento etc. A diferença está na origem. Burnout é uma síndrome ocupacional, e a depressão é uma doença com múltiplos fatores causais, ou seja, se eu desenvolvo Burnout, posso, no meio do caminho, evoluir para depressão, mas não o contrário. A depressão começa no indivíduo, independentemente da profissão; vai atingindo todas as áreas da vida, como se fosse um dominó. Já Burnout começa no trabalho. A perda da essência está ali; algo aconteceu que ocasionou a síndrome.
O grande problema é que a maioria dos profissionais só procuram ajuda quando estão num grau elevadíssimo de comprometimento, quando é necessário o afastamento do trabalho, até haver melhora clínica e a possibilidade de acolhimento. Existe o tratamento medicamentoso, que deve ser associado a ajuda psicológica, atividade física, alimentação saudável e sono regular e, evidentemente, mudanças nas condições de trabalho. O tempo de duração do tratamento vai depender do tamanho do comprometimento.
Na vida pessoal e profissional, alguns jamais retornam às suas atividades ocupacionais. Quanto mais precoce a intervenção, melhor o prognóstico.
As pessoas estão realmente enlouquecendo — quem antes tinha depressão ou ansiedade, teve uma recaída, então os sintomas pioraram durante a pandemia. As que ainda não tinham, mas apresentavam a predisposição, é como se a pandemia acionasse um gatilho para essas doenças psicológicas. O Burnout tem aumentado com a pandemia, observando o ciclo vicioso da pessoa dentro de casa: ele tem que dar atenção ao trabalho, à família, ao filho, à mulher (ou marido), porque não tem a válvula de escape, não pode dar um pulo no bar, na praia (os que ainda estão mantendo a quarentena), não pode ir a uma boate, academia. A pessoa que vinha numa carga de trabalho grande quer bater meta, mas tem que ser um bom pai, mãe, marido, mulher, tem que dar conta de casa. A rotina criava uma qualidade de vida e, com a pandemia, isso se perdeu.
É mais provável, por exemplo, que a população do Rio tenha adoecido mais que a de São Paulo porque o carioca põe os chinelos, vai à praia e toma um chope; em SP, as pessoas já estão acostumadas com a rotina trabalho-shopping-casa. E tem um detalhe: a pessoa tem que continuar pagando suas contas senão para de comer ou colocar comida em casa, o que dá uma sensação de impotência muito grande. Em 2002, a OMS fez um texto falando que a próxima década seria da depressão, ansiedade e esgotamento. Estamos em 2020 e, em outro texto, a OMS prevê o Burnout para a próxima década, porque ainda não é aceito como doença e só vai entrar na classificação internacional de doenças em janeiro de 2022.
Os principais profissionais afetados são os de relações humanas, e os médicos ficam em quinto lugar da lista, adoecendo porque estão enfrentando uma doença que está expondo a vida dele e da família, uma doença que pode matar. O cara que dava cinco plantões não vai em casa por nada; fica focado no trabalho, e isso pode causar Burnout.
José Fernandes Vilas é mestre em medicina, neurocientista, especializado em Neurologia na UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora) e pesquisador de Síndrome de Burnout.