O que a pandemia tem a nos dizer? Quem não se fez essa pergunta em algum momento dos últimos meses, desde que um vírus começou a dominar a nossa vida? Conversamos com Cynthia Bezerra, psicanalista e psicóloga, com consultório em Ipanema e na Barra. Parte da resposta pode ser dada em números: com o isolamento social, Cynthia passou a atender virtualmente, mas, como muitos não se adaptaram ao mundo online, ela voltou ao atendimento presencial desde junho, e teve um aumento de mais de 30%. Cynthia é autora do livro “Consultório de Psicologia”, lançado há dois anos, no qual fala sobre solidão, ciúme, depressão, perda etc.
A procura por atendimentos aumentou? Se sim, qual foi o principal “gatilho” para essa procura?
O movimento aumentou em mais de 30% no meu consultório. Aumentaram os conflitos, principalmente os conjugais, às vezes, com violência; alguns casos chegando a divórcio. Na verdade, conflito geral na família, principalmente para quem não dispõe de um espaço enorme, o que foi mais intenso de março a maio. Os transtornos de ansiedade também andam explodindo. Aquilo que não vinha funcionando veio à tona, mas alguns relacionamentos também estão saindo disso melhores desse convívio tão estreito do confinamento. Todos estamos tentando ressignificar a vida. Depois dessa, estaremos mais aptos a driblar qualquer adversidade que venha depois.
O que a pandemia tem a nos dizer?
A pandemia nos devolve para dentro das nossas casas e forja, aos poucos, e dentro de cada um de nós, uma nova rotina, uma nova rotação, uma nova maneira de existir. Trabalhamos de casa, cumprimos todos os afazeres domésticos, praticamos alguma atividade física no que é possível, e o que resta do nosso tempo e da nossa agenda nos convoca a uma espécie de “toque de recolher.” É um sentimento de estranhamento total.
Como tem notado a vivência das pessoas na pandemia?
Acredito que, no primeiro momento, uma grande perplexidade nos colocou frente a frente e de maneira involuntária, com tudo aquilo que, talvez, não viesse funcionando, individualmente, em nossas vidas: um diálogo com os filhos que, talvez, demandasse há tempos; um olhar um pouco mais cuidadoso; uma prosa interna com os pais, que, muitas vezes, vinha sendo adiada em detrimento de uma pseudofalta de tempo e coisas assim.
Acredita que as pessoas vão revisar sentimentos, atitudes?
Uma retórica um pouco preguiçosa dentro de nós provoca-nos a questionar nossos ideais até aqui, nossa maneira de viver, nossos valores, nossa qualidade de vida, nosso custo/benefício numa equação interna que confronta escolhas e concessões. Finalmente, a percepção de que nosso controle sobre o que nos cerca é bastante limitado e relativo faz cotejar dentro de nós um sentimento de solidão e, até, de menos valia. Se nos apropriarmos dessa impressão — que é um engano — de que estamos isolados e afastados do resto, perdemos uma oportunidade, talvez única, de nos assenhorar do maior patrimônio que possuímos, que é o nosso livre-arbítrio; é ele que nos legitima. Somos nós que escolhemos quais ideais desejamos cumprir, de que maneira queremos nos alimentar, que mídias optamos por assistir e ler, quem gostamos que esteja ao nosso lado…
E as consequências psicológicas que a pandemia pode trazer?
Nos dias atuais, acho que já conseguimos compreender que fomos absolutamente surpreendidos e, de certa forma, isso vem transformando cada um de nós. Já não mais debaixo de escombros, hoje temos, individualmente, a capacidade de interromper esse combate e fazer um balanço dessa operação. Psiquicamente, fomos feitos para sobreviver; fisiologicamente, também, o que significa dizer que mesmo em situações de muita precariedade. O próprio organismo é capaz de substituir órgãos disfuncionais, e a própria mente humana trata de refazer sinapses, ressignificar eventos e carreiras, encontrar novos caminhos…
Acredita que as pessoas vão sair melhores?
Acho que sairemos mais empáticos disso tudo que o mundo viveu simultaneamente e, pela primeira vez, um mesmo acidente dessa magnitude. A mais longínqua aldeia na Ásia sofre da mesma maneira, e, ao mesmo tempo que nós, as consequências, ansiedades e temores dessa pandemia. Isso, de certa forma, nos aproxima e faz validar em nós uma real experiência de empatia: precisamos uns dos outros.
Os atendimentos migraram para o online. Como foi isso para você e seus clientes. A terapia virtual veio pra ficar?
Atendo dos dois jeitos, mas alguns pacientes, incluindo os muitos jovens, não gostaram do online, apesar de a terapia virtual ter vindo pra ficar. E o psicanalista precisa saber ler todos os sinais não verbais, mesmo nos atendimentos à distância. Antes da pandemia, eu atendia em Ipanema e na Barra, mas, desde junho, quando voltei a atender no consultório, está tudo concentrado na Barra.