Arassari Pataxó esteve em Roma, no ano passado, para fazer palestras em universidades, sobre os problemas dos índios brasileiros, principalmente a demarcação das terras. Representante da etnia Pataxó no sul da Bahia (aldeia Mãe Pataxó Barra Velha), além de lutar pelos territórios, agora enfrenta uma guerra contra um inimigo invisível: o coronavírus.
A aldeia de Arassari tem 380 famílias e nenhuma contaminação pela Covid-19 porque, assim que os primeiros casos apitaram, eles fecharam a aldeia – no esquema ninguém entra, ninguém sai. No entanto, aldeias pataxós que ficam mais próximas à cidade não tiveram a mesma sorte – como a Coroa Vermelha, onde ocorreram nove casos e duas mortes -, tampouco etnias do Amazonas, já que os garimpeiros e madeireiros que invadem as aldeias levam a doença.
Segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), no País, são 24.942 índios confirmados, 669 mortes e 146 povos afetados. No último dia 9 de agosto, foi comemorado o Dia Internacional dos Povos Indígenas, com um movimento de conscientização online. Arassari é uma das vozes ativas, bem informado, fluente, personagem de destaque do seu povo, com muitas críticas ao governo Bolsonaro.
Qual a situação dos Pataxós agora nesta pandemia?
A questão do povo Pataxó hoje, diante deste cenário de pandemia, está muito preocupante porque a própria proteção sanitária da saúde indígena não abrange todas as aldeias. Na minha aldeia, por exemplo, têm 380 famílias, nenhum caso de Covid-19; no momento em que surgiu a pandemia, nós fechamos literalmente nossa aldeia e trabalhamos com proteção; então, ninguém sai nem tem contato com outras culturas, mas tem aldeias Pataxós que estão perto da cidade e já tem caso de Covid 19. Inclusive, teve dois óbitos. Então, o que facilitou é que nossa aldeia é muito distante da cidade. E nós estamos trabalhando incansavelmente na conscientização e na prevenção.
Os índios do Brasil estão passando um momento delicado com a pandemia, como no Alto Xingu (MS), com falta de atendimento, medicamento e infraestrutura; tanto que o cacique Aritana foi uma das últimas vítimas da Covid. Como a comunidade indígena está vendo o momento atual?
Com relação às outras etnias, principalmente no Amazonas, no Mato Grosso, também é preocupante porque têm os garimpeiros, madeireiros que estão indo para as aldeias e levando a doença. Então, a maioria desses povos não saiu da aldeia, os garimpeiros foram até lá. A transmissão do Covid 19 dentro das terras indígenas, na maioria das vezes, não é o indígena que sai da aldeia, principalmente lá, no Alto Xingu – é o Covid que vai até eles. Então, por isso é que deve ter essa barreira sanitária apoiada pelo Governo Federal.
O STF decidiu, por unanimidade executar a decisão do ministro Luís Roberto Barroso de obrigar o Governo a adotar diversas medidas para conter o avanço do coronavírus na população indígena. O Supremo determinou que o Executivo crie barreiras sanitárias para aldeias em isolamento e que retirem os invasores, principalmente garimpeiros, na Região Norte do País. O que acha da decisão? Ainda está em tempo?
A decisão do STF do ministro Luís Roberto Barroso, de obrigar o Governo a adotar medidas de proteção dos povos indígenas, chega num momento importante. Deveria ter acontecido muito antes, mas o próprio governo do Jair Bolsonaro vai totalmente contra nossos direitos pelo uso da terra, de viver na nossa reserva, da própria manutenção das nossas tradições. O Bolsonaro não apoia isso, ele quer tirar os indígenas da floresta para usar a terra, o solo, as madeiras, criar bois e plantio de soja. Então, essa medida judicial chega num momento muito importante pra nós, e espero que perpetue e que a sociedade brasileira possa ter isso na consciência, de não entrar nem invadir aldeias indígenas sem permissão, porque ele pode estar levando doenças ou até mesmo contribuindo para a invasão de garimpeiros e madeireiros.
Você se define como um guerreiro que luta pelo respeito aos povos indígenas. Tem exercitado esse seu lado?
Eu não me defino como guerreiro. Nos povos indígenas, ninguém se define como guerreiro; esse guerreiro nasce guerreiro, e quem define se ele é guerreiro é a própria nação dele, pelo desempenho, pela coragem, pela sagacidade, a força e não ter medo de lutar pelo seu povo. Então eu sou guerreiro pelo meu povo, que me escolheu, e eu sou representante do meu povo. Eu tenho conhecimento das lutas em terra, e também tudo sobre os direitos dos povos indígenas. Por eu ser essa pessoa que defendo e estou na linha de frente do meu povo, eu fui escolhido como guerreiro.
Há tempos seu povo luta pela proteção de seus territórios, que são alvo de agressões e invasões, porque possuem muitas riquezas, principalmente madeiras e minérios. Acredita que algum dia isso vá mudar?
Nossa luta pela proteção dos nossos territórios e as nossas terras é diferente do homem branco, porque o homem branco tem a terra como propriedade privada, e nós, povos indígenas, acreditamos que não somos donos da terra – nós somos filhos da terra. A nossa relação com a terra é muito diferente: nós não nos relacionamos como donos, mas como filhos. A terra é sagrada para nós, povos indígenas, por isso é que nós lutamos em prol da fauna, flora, solo e águas do Brasil, não só para mim, mas para gerações futuras. Nós estamos garantindo essa terra para meus netos, meus bisnetos, e outros que virão por aí.
Ano passado, você esteve em Roma para dar palestras em universidades, escolas e centros culturais sobre os problemas que sofrem os índios brasileiros, principalmente sobre a demarcação das terras. Qual foi a sensação de falar do índio brasileiro em outro país? E qual a importância disso?
A minha ida a Roma foi um convite de algumas universidades e algumas escolas que queriam ouvir os povos indígenas diante desse cenário que estamos vivendo desde 1500 até a atualidade. Então, na minha aldeia, eu fui o escolhido para ir lá, representar o meu povo, e eu levei essas questões que tanto atingem os povos indígenas do Brasil e, diretamente, o povo Pataxó, que foi a questão de território, demarcações de terras, os próprios direitos indígenas, e eu fui para lá e tive uma experiência fantástica porque eu vejo o quanto os europeus e o mundo estão preocupado com a questão ambiental, os efeitos climáticos, muito mais do que no Brasil. Eles acreditam que usando a terra, tirando minério, plantando soja e colocando fogo, vai haver alguma melhoria. E nós, povos indígenas, temos que fazer essa denúncia, dizendo não à destruição da mãe natureza, não à destruição da Amazônia em prol do respeito e da valorização dos nossos direitos.
E como foi?
Foi gratificante, fomos bens recebidos e fizemos um grande trabalho; nosso legado foi válido na Europa e por toda parte do mundo. O recado dos povos da floresta é lutar pelos direitos de vida, de saúde, de educação, assim como qualquer outra nação, mas que vive lá na floresta com todas as suas tradições preservadas, com direito a terra e a saúde com qualidade, e não mais que isso. Nosso objetivo também é trazer, como principal fator, essa conscientização da sociedade brasileira e mundial de que o indígena é um ser humano que tem sua tradição diferente, que tem sua cultura diferente, que tem a sua forma de viver diferente e deve ser respeitada.